segunda-feira, outubro 9

Longe (revisitado)



Ainda esperamos que o verão nos sopre no rosto rastro noturno da paixão
Como ficou escrito em minha memória de tantos dezembros quase felizes
Se transporto em mim essa vigília é que me dói como torneira aberta de fel
O porvir é um terreno sem dono ou fronteira, onde rui uma casa destelhada

A mesa vazia e os olhos abandonados daquela mulher de nome dissonante
Que já pouco lhe importa se verões ou dezembros, meses são todos iguais
O silêncio denuncia minha existência de fome e fúria nutrido de raízes vãs
A esperança amanheceu no corpo sem fala como uma dor incógnita e nova

Esta dor principia onde a agonia, num véu de cinza, se espalha sobre tudo
Tudo passa, somos só passageiros abandonados que restamos esquecidos
O espelho do tempo põe-nos a idade: uma porção de minutos no semblante
As eclusas das horas serão apenas eternidades renascendo noites adentro

Eis aí os cacos de minha vida, fragmentos do que foi visto, mas não vivido
Há tanto tempo mantida suspensa à espera de alguém que não existia mais
A ternura permaneceu viva no passado qual o vinho tinto que tinge a vida
E onde havia tanto de amor, em um momento ruiu sobre o púrpura veludo

Fazer poesia é pensar palavras vindas da alma, outras dormidas no coração
Todo amor um dia vai conviver com a ausência intransferível das manhãs
Onde apenas um segredo sem cor reina sobre o brilho de antigos perfumes
E as perdas nunca terminam nos desvãos da alma, mistérios gris da solidão

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