quarta-feira, novembro 9

Cantico em Três Atos

 Canto primeiro: do desconsolo


Por todo o tempo que teu nome viveu em minha garganta
No celeiro dos esqueletos de minhas recônditas memórias
Das lembranças partidas para a morte solitária do oblívio
Olhai-me agora e vede as estrelas que caem de meu peito

As andorinhas azuis bailam-se nas tardes diante dos olhos
É que me encontro, assim, menino bem às três e quarenta
Por isso sigo só quase naufragado por entre antigas águas
Olhai-me agora entre os mil cantos esquecidos das tardes

Se minhas mãos jubilosas, úmidas de águas frias da geada
Erguem-se ao céu a rogar do sol o calor de pífias carícias
E sirvam entre nuvens inimigas qual camisa ao desconsolo
Olhai-me agora a pisar sozinho na grama crocante de gelo

Canto segundo: da saudade.

Vou dizer como tenho andado entre os mistérios da noite
Soluçando como o menino solitário a morder a doce fruta
Figos pingando gotas açucaradas no decorrer do caminho
Ao vento ouço o cantar dos duendes no idioma do tempo

Ah, essa indolência das longas tardes passadas a beira-rio
Aspiro o aroma da camomila que me preenche os pulmões
E meu peito ferido, ora em branco, fora tocado pelo amor
Desiludido, saudoso hoje espreito a fumaça das chaminés

No poente, os trens, tal longa centopeia, sinais de partida
Cruzam meu mundo, entristecido, entre amigos dispersos
Na saudade rubra do crepúsculo ao farfalhar dos cardos
O vento a liderar a visita de negros pássaros, uiva à janela

Canto terceiro: da renovação


A lua e sua luz nevada realçando as virginais madressilvas
São testemunhos dos dias passados na glória de ter vivido
Meu coração sucumbe ao feitiço encantado das estrelas
E vê teimosos cometas a cruzar o céu que um dia foi teu

Nos jardins da vida sangramos no estio, raiamos na aurora
Enquanto pássaros abrimos as asas para ganhar todo azul
Sempre fazendo que o coração guie nos zéfiros outubrais
Apreciando lá de cima as humildes ameixeiras amareladas

O campo ondulante de lavandas espalha seu perfume lilás
Os ondulantes e alvos algodões flutuam levados pela brisa
O horizonte os aguarda e é onde liberto, enfim, vou estar
Olhai-me, afinal, já não caminho mais às cegas na campina

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