quarta-feira, novembro 9

O Arame e a Estrada






Trabalho palavras temperando com o brilho de outros sóis
Trato-as com o zelo de quem acalenta o filho único ao colo
Incinero medos como só a quem passou o tempo se permite
Na fronte lavada de noturnos suores, obra de uma febre vã
Diante da retina passa doída a memória deste dia de mortos
Vejo a aurora dançando em meio ao vento cálido da manhã
Meus fantasmas desfilam num tapete de ausências amaras
Eis o jogo da vida em cenas que zombam no espelho diário
Faço da angústia utensílio doméstico e da esperança vinho
É o ofício do poeta talhar palavras com cor e gosto de vida
Onde o poema é o que fala da vida entre os ventos da alma
Ou que, num véu de sombra, olvida do amor e diz da morte
Tal como escultor que lixa e plaina o mármore sob o cinzel
O que era nu e silente ora indica a um horizonte imaginário
Sigo minha luta entre moinhos, na dor sozinha de cada dia
É preciso transmutar a cor do amor, dia a dia na lembrança
Se 0 caminho que se escolhe é só um caminho sem coração
É o moinho sem o vento, o espelho cujo reflexo se ausentou 
Não basta desejo, deve haver o compromisso na realização
A estrada e o arame farpado vivem perto, mas não se amam.

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