segunda-feira, janeiro 14

Hesitante


A vida escorre hesitante em  dias de dor dentro do peito
É cair a tarde, vem o crepúsculo e, com ele, frio e solidão
Na memória dos folguedos de criança de antigos verões
Ainda lembro da propaganda elegante de sapato na tevê
Recordo também do seriado de ficção proibido pra mim
Tocava uma música tão tensa como as cordas das harpas
Enquanto lânguidas sombras gravavam a alma de silêncio
Cortejo a chegada das últimas horas do dia que se retira
Com saudades das bocas vermelhas e sorrisos de alecrim
Do palácio luxuoso que o rei prometeu, das naus à deriva

À noite, aparenta que a cidade se encolhe por todo lugar
O perfume das flores se faz oxidado num verão tão pobre
Pobre de sonhos e romance enquanto a neblina se alastra
Num ardiloso ato na derradeira esquina de uma vida vazia
Para ir calar o vozerio febril das ruas de forma insinuante
O que era um lençol de paz e calma na tarde, é um arrepio
Como nas alucinações vespertinas, sob o céu avermelhado
Que ouve vozes ditando presságios nos rumores dos ventos
E o aroma doce de gim se espalha em uma gargalhada ébria
De súbito tocarão os sinos, sabes tu por quem eles dobram?

Há tempos que o sol despe da pedra sua couraça de musgo
A chuva se filtra nos veios da pedra e irá formar novos rios
Tal aquela criança que, pé descalço, irá reinventar o mundo
Noutro dia haveria de gritar inconformado, hoje se resignou
Cada qual deve suportar sua sina, digo ao amigo que se vai
Não flor, morrer não é como hibernar e em breve o saberás
Há um céu sem estrelas que nos faz estar como numa caixa
De teto preto, que em outros tempos se via uma claraboia
De onde se podia olhar o mar e, sob a luz da lua, até sonhar
Tal tempo se foi, e nós aflitos e perplexos, só observamos

Ao amigo Paulo Della Rosa

Nenhum comentário:

Postar um comentário