quarta-feira, janeiro 24

Borboleta

 

A dor, esse amargo sumo que goteja e a terra não sorve

Não esconde os erros, não cala o que foi. Tanta lágrima

E o pó do barro continua pó, não faz rocha nem abraço

Não vence os muros, antes espanar as roupas e levantar

Abra os olhos, a rosa sem perfume é só plástico e arame

Flor que o verbo abandonou, morfema mero e tristonho

Esse verso emprestado que só se abre à vista da solidão

Porém se esconde detrás d’um belo par de íris de cristal

O asfalto apenas é uma estrada, porém não é o caminho

Uma porta entreaberta, bocas distantes e a mesma sede

Impassível, a saliva que o sol goteja no chão ao meio-dia

A água na geladeira, longe qual mãos em braços abertos

É bem mais fácil espernear-se que oferecer a outra face

É mais fácil subir no muro, olvidar o suor e sem lágrimas

Negar e disfarçar essa ausência de expressão nos lábios

A contrariar o senso da incandescente borboleta rubra

Que bate as asas de bordas negras num alarido noturno

Sem medo de, por isso, ver-se presa numa jaula de metal

Tomo da pena, escrevo a palavra e olho meio de soslaio

Afugento a borboleta, retomo meu voo ao véu noturno

De mãos crispadas, desenho uma janela e salto no vazio

 

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