terça-feira, maio 10

O menino e as chuvas

Era um domingo que a melancolia nos faz morada 
E as nuvens se espalhavam como um mar nos céus 
Eu sentava numa velha poltrona na sala de jantar 
No ar havia um rumor, como aquele de mudança 
Coisas arrastadas de lá pra cá, no andar de cima 
Eu que apesar de criança já vira muita mudança 
 olhava pela janela a chuva que começara cair 
Aos poucos seu cheiro doce veio preencher o ar 
E o som dos pingos romper o silêncio dessa tarde 

Nestas noites que uma solidão trôpega toma o ar 
O chiar da chuva na árvore inda vive na memória 
Na essência das águas vivas como primeiro alento 
Lembrança imaculada que afasta ocultas mágoas 
Ali a água fertilizava uma imaginação ainda verde 
Forjando ideias no escuro súbito daquelas nuvens 
A essência do que me move a replicar a natureza. 
Hoje as janelas se abrem a outros mares e tempos 
Mais duros e crespos, cheios de abismos a vencer 

Os domingos não têm mais cheiro úmido de mato 
Tão só a memória perpetua e recompõe a fábula 
Do menino que inda vive em mim a olhar a janela 
Longe do conflito íntimo e surdo dos contrários 
Entre arar a terra ou cavar seu próprio sepulcro 
Ser pássaro de asas abertas ou pilar de concreto 
O que é frágil e transitório ou o que se eterniza 
São as chagas da luta contra as dúvidas dos dias 
Meu menino resiste na semente, alma e coração 

Na faina cotidiana solitária bato as asas em segredo 
Para que cada caminho me reconduza à paz perdida  

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