quinta-feira, maio 10

Ode a Neruda



Outra noite brotou de um pesadelo, a imagem que eu mais quero esquecer
Na alma trêmula e vazia de pensamentos estava a velha mansão da ladeira
Afundado em lágrimas de tristeza olhava aquela imagem virginal e estelar
Olhar seu vestido branco, imaculado, espectral era um profundo mal-estar
Um medo dantesco da solidão infeliz que se antevia abrir todos os infernos
Por isso menti e impostei sorrisos, camuflando consternado o esgotamento
Nisso errei também, calei em meu estupor, pois não sei indagar por perdão
Sem ter zênite por muito tempo arrastei essa nodoa torpe em meu coração
Porém o tempo a tudo apazigua e fiz sacudir a velha fuligem da roupa suja
Gradualmente a dura imagem me foi abandonando num despertar efêmero
Vieram novos ventos e marés fortes, pensamentos ao invés de sentimentos
Pessoas feitas de pedra, ideia maquinal, ah como me intoxica o mar estéril
Assim nasceram as minhas poesias sem rima, quase prosa, tão cheias de dor
Como uma forma de recobrar ou incitar o equilíbrio, perdido em memórias
Refiz a história, assim não fosse, seriam momentos esquecidos, descartados
Não teria lugar para nós ou para que vivêssemos em nós um novo romance
Só vale a vida que brota das paixões sinceras e devem ser intensas e vívidas
Ou seremos recipientes estéreis, um brilho sem rumo, uma pegada na areia
Não seremos felizes apartados no vasto oceano de nossa própria existência
Tendo o magnífico horizonte à frente, mas sem ter com quem compartilhar
Disso eu bem sei, já fez parte da minha história, um mito numa memória vã
São novos dias e esperanças deste grande armazém humano de lembranças
Como poeta eu vi a imensidão de astros-luz através de meus próprios olhos
Vi nossos ancestrais, como minotauros, escaparem felizes de suas cavernas
Eu vivi em suas paisagens animado e as recriei deslizando tinta sobre tinta
Vezes eu caí só para desfrutar dos abismos ou das águas geladas dos mares
Vezes eu voei para experimentar a liberdade dos pássaros, o calor dos céus
Nunca invisível, nunca cálido, porque ser cálido é próprio da mediocridade
É o que serei até expirar a matéria, lentamente, do prelúdio até a cena final
No final quando indagarem, vou parafrasear Neruda, vou confessar que vivi.

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