sexta-feira, maio 4

Permanência


Não sei se é da luz os múltiplos caminhos que me levarão a ti
Anuncia o vento sul que sopra pela porta aberta para a noite
Com um quê de amargo e o outro de segredos neste deserto
A parte amarga vem da solidão que há nos infernos da alma
E é como o cão que uiva, insistentemente, à própria sombra
No segredo, guarda um fio de luz e fala do amor e do vinho
Está na essência dos caminhos de regresso. Infinda procura
por soluções no cansaço de andar pelo tapete das ausências

O que chamamos de mundo vai pouco além de nossas casas
Até a fronteira abalizada na sombra das chuvas vespertinas
O dia vem e o sono persiste nestas noites quase indormidas
Nas quais semeei no verso, palavras coalhadas de esperança
Queria que viesses saltando faceira de um dos meus sonhos
Onde bailas mágica, enlouquecida e outonal. Onde te espero
despida de virtudes, iluminada pelo engenho febril do vinho
Porque não vens qual a chuva e te debruças sobre meu corpo

Algumas vezes, me solto nas asas de suposições improváveis
No silêncio do papel onde formulo o mistério do amanhecer
Derramo o vinho que brindei a muitas partidas imperdoáveis
E ainda que amanheça, permanece a pulsar um súbito anseio
Vontade de chegar ao horizonte antes que o sol o preencha
Sigo dois pássaros anônimos como que abandonados no céu
Sinto-me num trem de outrora que foi deserdado dos trilhos
Quase morto de silêncio, fumegando solitário nas planícies

Na alma do poeta, amar é sinônimo de perder-se pelos amores
Ver em áridas paragens trigais dourados a se dobrar ao vento
Sobreviver a todas as esperas sob o fulgor do sol do meio-dia
Cavalgar o vento, vadio, no perfume frio dessas flores de maio
Dominar o tempo para traduzir o sussurro fulgurante da brisa
Mesmo que só haja a terra estrugida, crestada pelo abandono
Reinvento o verbo no coração vivo, digo a palavra sentimento
Porque resisto à luz, ao vento, dentro do peito, na seda da pele

Mas, o que posso eu contra as duras memórias de meus fantasmas
 insepultos que sempre regressam tanto nas horas da insônia
 quanto, e principalmente, da solidão?

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