O cristal
tristíssimo do entardecer brilha entre as coisas do cotidiano
O poema é cifra noturna, fala
coisas fugidias e não se vê à luz do dia
Infiltra no coração película
de abandono e de insônia, dilui a imagem
do velho retrato que o
próprio tempo vai esfarelando, amarelecendo
Digo
teu nome aos pássaros, bem baixo no compasso de uma estrela
Em meio à tempestade sou eu
o pássaro desenhado no quadro negro
Esse é o instante entre
todos instantes que só sobrevêm aos amantes
Porque se preocuparia a
flor por sua beleza e perfume, já que os tem
Lanço um olhar efêmero
entre os passos do tédio no inverno interior
No ponto em que fica
suspensa a palavra amor e arde ressentimento
Em um tempo que a dor
trespassou meu peito deixando a ferida nua
na minha carne como uma
sombra do sol escrita nas nuvens da tarde
Os dias mesmo se esfarelam
longe de teu corpo nestas tão frias horas
Neste momento enfermo de silêncio
tão grave que mal lhe sei narrar
Por que essa angústia,
indesejável companhia, presença sem convite
Que me toma como amante, a malgrado,
sem fim, prazer ou regresso
A
palavra dura invade o poema e traz à tona infortúnios já esquecidos
Ah, como é arriscada a
busca de nós mesmos nos caminhos do existir
Em que se busca ser livre
mas não sabe o que é realmente a liberdade
Para que serve tanta nostalgia
se não sabemos onde estará o alçapão
Quanta
coisa ainda há a conhecer sob esse imenso manto de estrelas
Quanta coisa viaja distante
nesse mar alto que a vida não sabe contar
Que às vezes o horizonte
nos parece frio e sem alma como o concreto
A vida não chama para ser
vivida e isso por certo é arrasador a alguns
A morte
nasce aos poucos nas horas amargas e é certa a sua chegada
A vida é curta e a qualquer
descuido logo se esvai pela fresta da porta
Sem
deixar saber se essa inexplicável transcendência seja a libertação
A mim resta a esperança de
sonhar, mudo, meio a esta enorme saudade
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