sexta-feira, julho 20

Reflexões



O cristal tristíssimo do entardecer brilha entre as coisas do cotidiano
O poema é cifra noturna, fala coisas fugidias e não se vê à luz do dia
Infiltra no coração película de abandono e de insônia, dilui a imagem
do velho retrato que o próprio tempo vai esfarelando, amarelecendo

Digo teu nome aos pássaros, bem baixo no compasso de uma estrela
Em meio à tempestade sou eu o pássaro desenhado no quadro negro
Esse é o instante entre todos instantes que só sobrevêm aos amantes
Porque se preocuparia a flor por sua beleza e perfume, já que os tem

Lanço um olhar efêmero entre os passos do tédio no inverno interior
No ponto em que fica suspensa a palavra amor e arde ressentimento
Em um tempo que a dor trespassou meu peito deixando a ferida nua
na minha carne como uma sombra do sol escrita nas nuvens da tarde

Os dias mesmo se esfarelam longe de teu corpo nestas tão frias horas
Neste momento enfermo de silêncio tão grave que mal lhe sei narrar
Por que essa angústia, indesejável companhia, presença sem convite
Que me toma como amante, a malgrado, sem fim, prazer ou regresso

A palavra dura invade o poema e traz à tona infortúnios já esquecidos
Ah, como é arriscada a busca de nós mesmos nos caminhos do existir
Em que se busca ser livre mas não sabe o que é realmente a liberdade
Para que serve tanta nostalgia se não sabemos onde estará o alçapão

Quanta coisa ainda há a conhecer sob esse imenso manto de estrelas
Quanta coisa viaja distante nesse mar alto que a vida não sabe contar
Que às vezes o horizonte nos parece frio e sem alma como o concreto
A vida não chama para ser vivida e isso por certo é arrasador a alguns

A morte nasce aos poucos nas horas amargas e é certa a sua chegada
A vida é curta e a qualquer descuido logo se esvai pela fresta da porta
Sem deixar saber se essa inexplicável transcendência seja a libertação
A mim resta a esperança de sonhar, mudo, meio a esta enorme saudade

 

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