sexta-feira, março 29

Imperfeito


Hoje quero escrever um poema, imperfeito, triste de palavras
Soltas, fragmentadas, recheadas de conjunções, sem abraços
Um lago sem cisnes, de pássaros mudos e o tempo passa veloz
O sol vai se pondo sereno, indiferente, o céu perdendo o azul
Quantas quimeras se perderam nos incontáveis desencontros
A lua nova realça as estrelas que vão piscando seu brilho frio

Hoje vou escrever um poema sem glórias, sem flores no campo
O chão nu, crestado dos verões, sem o perfume das gardênias
Guardo meus sonhos num relicário qual fosse uma outra vida
A vagar perdida em algum lugar translúcido do espaço sideral
E a lua cresce minguante como um sorriso que não mais se vê
Outra vida, outro lugar, tudo ficando cada vez mais distante

Hoje vou escrever um poema mudo e áspero, palavras ao chão
Quero versos desordenados, rabiscados bruscamente no papel
Como a solidão do carinho que se cultiva, entanto não se vive
Como a ausência que não é da distância, mas de presenças vãs
Já não posso escrever frases leves e transparentes qual a seda
Nem o manso soprar do vento que um dia já ondulou os trigais

Hoje vou escrever um poema cortante e frio como uma navalha
Pois a esperança foi a primeira a tombar, ferida de desilusões
Vai-se a tarde e o que havia de claro em minha alma se perdeu
A olhar de cima os destroços fumegantes na beira da calçada
Não mais sou o pássaro na magia de sua dança entre as nuvens
Sou tão-só alguém na vastidão, a caminhar só, na busca sem fim

Um comentário:

  1. Muitas vezes a tristeza nos faz fortes. Nos ensina a mudar o percurso da nossa caminhada...

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