quarta-feira, outubro 19

O Circular

Caminhei entre girassóis de sonho e as tormentas pela cidade
Em meio às chuvas dessa primavera fria travestida de outono
Vi no espelho da noite, mofado de ausências uma flor exilada
Alucinado, sonhei em silêncio os pesadelos da vida e da morte
 
Enquanto apreciava as belezas ao avesso da cidade iluminada
A mostrar essa realidade que sangra, qual um ônibus circular
Um coletivo na sua viagem pela periferia, a balançar destinos
A balançar o sangue triste, os rostos amanhecidos de miséria
 
Indo e vindo entre incessantes misérias e as mãos estendidas
Enquanto alguns acima bem voam, o céu sob as constelações
Remoto demais para ver que outros lutam pelo cálcio da vida
Entre o gozo e o medo que essa distância seja intransponível
 
Não olvide que a pedra qual estamos é uma entre incontáveis
E ocupamos o que é, na realidade, o espírito de toda a criação
Que dialética poderia haver e justificar essas tantas diferenças
Entre esta umidade gris de cá e os invernos serenos de acolá
 
Quando os dias, em trajes de frio, ficarão mais macambúzios
A poesia não vai reduzir a distância entre março e setembro
Nem o poema irá, com palavras escancaradas, diminuir a dor
Mas faz saber, tristemente, que é tanto escrito e pouco se lê
 
Como podemos, com estes versos, amar em toda sua pureza
de vinho e sangue e salvar o coração ao final das madrugadas?


Nenhum comentário:

Postar um comentário