sexta-feira, janeiro 20

Alguém

Nem sei teu nome e já te fizeste qual turbilhão neste vazio
Tu apenas chegaste cintilante, revolvendo a noite solitária
Sem importar quão escuro, sombras e névoas na penumbra
Por mais que eu não permitisse, entrastes em meus sonhos
Antes, mais e acima que todas as pessoas ou qualquer uma
Que eu tenha sentido próxima, ainda que um amor furtivo
Qual uma ligação sideral, ora silenciosa, ora um relâmpago
Que arde em mim no instante fugaz que precede o trovão
E assim vieste nessa tempestade incompreensível, imatura
Feita de momentos cheios de impertinências, de distância
A se transformar nesse desejo rubro, sufocante e visceral
Que já venceu oceanos, atravessou horizontes só por mim
Sei-me tão imperfeitamente humano, mas saboreio o divino
Quando meu corpo se insere no teu e me privo de pudores
Um amor celestial, que por paradoxo, é malícia e é feitiço
Que dilacera meus sentidos e escrúpulos a sentir teu gozo
Sei que o amanhecer trará a dolorosa certeza da ausência
E ainda assim sinto teu gosto em mim a alimentar a insônia
A propor maliciosas descobertas de recônditas anatomias
Antes que um gélido dia, sem tom e sem som venha nascer


quarta-feira, janeiro 18

Marionetes

Era amor e nos disseram que era só disfarce
A real felicidade, incomodava aos obscenos
E nós, como marionetes, dançávamos a girar
A estreitar as linhas do mundo nesse abraço
E o nosso coração batendo num só compasso
Inscientes do tédio ou da morte que rondava
Há a verdade e há outra verdade e o dia veio
Ora sou o desencanto d’uma luz tão sonhada
Da sombra azul de um céu oculto por nuvens
Da voz ausente tão igual quanto distanciada
Dias de sol a caminhar, como anjo nu a vagar
Desalentado pelo recolher das asas e não ver
A copa das sequoias a enroscar nas estrelas
As orquídeas, tal talismãs, no verdor da selva
O segredo de um coração confuso nos átomos
Mas sei, nada foi irreal em nossa curta vivência
Porque te amei antes do primevo verbo criador
Sei também me amaste, una, radiante, desigual
Com tua história de paz nas fábulas do existir
E por termos sempre sido um, ainda somos dois
Mesmo que de nós, hoje restemos somente um


domingo, janeiro 15

Tormenta

O girassol não gira ao sol, pois o dia é de tempestades
São as tormentas que arrastam folhas e nem é outono
Mas a poesia não é a tempestade. tampouco o ciclone
É um quê dessa vida que caminha num sonho púrpura
Entre girassóis, esquiva dos pesadelos da vida e morte
No espelho da noite há sentimentos no corpo e n’alma
As ruas avessas da cidade exibem seu abissal encanto
E o mofo da ausência exala o odor das flores exiladas
Onde transitara a miséria dispersa na distância triste
Na tábua da salvação, escrevo este poema emergente
Que os ladrões não verão e os homens bons não lerão
Mas no azul profundo da imensa noite virá se revelar
À insônia, escrevo mil palavras indormidas e digo não
Relembro-a no aroma austero da resina, o vinho tinto
Posso ouvir o canto de paixão vindo da porta ao lado
No silvar do vento ao ouvido, soam gemidos poéticos
Engana-se quem dizer que só sonha quando se dorme
ou imagina fácil transformar a palavra solta em ideias


quinta-feira, janeiro 12

Sentinela

Como eu quisera ver o rosto do leitor animado ao ler
Estas tão humildes linhas, momentaneamente ferozes
Rompendo abrupto caminhos por pântanos desolados
E, ao invés de páginas selvagens de um escuro veneno
Transitar entre paradoxos espirituais de leitura lógica
 
Queria seduzi-los, não menos, a desconfiar que o livro
Revele como salvá-los das emanações mortais da alma
Talvez meu poema não deva ser lido por qualquer um
Que receie adentar ao vento, por terras inexploradas
Que fira almas tímidas inaptas a ler este fruto amargo
 
Nem espero olhos fixos, numa contemplação augusta
Como se olha ao pai, que taciturno, espera o inverno
Que venha frio e veloz, de algum ângulo do horizonte
O pássaro mais velho na vanguarda, a liderar o bando
Estala o bico, como fará a pessoa que não esteja feliz
 
Meus versos oscilam insensatos entre o som e a fúria
Sonho e realidade mesclam-se como a água ao açúcar
E são a sentinela melancólica que alertará de inimigos
São o presságio que há um iceberg nessa figura calma
Sugerindo guinar a filosofia a bombordo ou estibordo
 
Sou mais uma ave curiosa que esse capitão habilidoso
Sou o lado invisível do triangulo insciente do caminho