O pássaro

Na minha memória vivem recordações de um tempo já passado

Lembranças ficaram como impressões nas paredes de uma casa

Com olhos lançados ao horizonte, a vida corria bela e misteriosa

Dos pequenos dedos a tocar os sonhos além da chuva na vidraça

Abstrações tão vívidas que quase se pode ouvir sorrisos antigos

Rabiscados nos painéis dos dias são retratos da minha existência

Fecho os olhos e sinto uma presença inquietante que vem a mim

Hoje muitas estações se passaram e as horas lá fora não esperam

As paredes que emolduram a imagem da casa já não são tão alvas

As mãos não tão pequenas já não desenham sonhos nas vidraças

Mas certa tarde, tornei a sentir aquela velha brisa na minha face

E indescritíveis percepções revestiram cada parte de meu corpo

Foi assim que o pássaro pousou no beiral a me fazer um convite

Daqueles convites que não se pode recusar, únicos em uma vida

Lá do alto, a ave percebeu a escuridão que se instalara em mim

Suavemente baixei as pálpebras e sincronizei ao coração da ave

Sem sair de meu quarto, da janela, abri as asas e voei para o céu

Assim cruzamos as nuvens indignadas com o nosso atrevimento

Depois de subir, muito subir, de um giro iniciamos uma rasante

Riscando a superfície do lago, espelhando tudo em sua extensão

Não, nem pensar em pousar, apenas voar, subir, subir daí planar

Fontes, lagos, planícies, o prado, os trigais açoitados pelo vento

A vida assume uma plenitude, repleta de sonhos ora reeditados

De inúmeros destinos além do horizonte sem limites ou grilhões

Mas, o cotidiano chama de volta em sua direção, é hora de voltar

Mas porque, indago ao pássaro, porque me trazes de volta cedo?

Não precisas de mim para voar, responde. Usa tuas próprias asas

Reescreve tua história, a escolha é só tua, vai e ganha teu espaço

Agora eu voo nas asas desta poesia crua e na luz que me invadiu

Ainda ouço a ave no silvo do vento a dizer: vai, pois, e te reescreve