sábado, agosto 18

Quimeras


É novamente madrugada e o frio invernal desce das montanhas
Meu corpo estremece, mas nem é pelos rigores da temperatura
É pela falta de alento, é a esperança que já agonizou há tempos
Pela alma pendurada infinita nessas insônias que me assombram

Apesar dos enganos eu pude conservar a capacidade de sonhar
Arduamente repaginando milhares de constelações de quimeras
O existir não traz o mapa, não esse de tantas tentativas falidas
Não diz como alcançar o cume antes que só restem os vestígios

Mas ainda assim, sorrio ao recordar das tolas paixões de chuva
Até o tempo que nunca se comportou diante das tempestades
Cala na falta de rima destes versos cheios de curvas e ladeiras
Invenção que alguém deixou traçada nas nervuras dos lençóis

A lua chega de um rompante como uma deusa de prata e ilusão
Cá em baixo, nas esquinas, as flores de plástico desbotam nuas
Sem perfume, revivem apenas pela graça de uma alma dadivosa
Enquanto suplicam por alforria, na noite toca um adágio lento

Há dentro de mim germens de poemas que invocam por nascer
Ora feitos de retratos das mais singelas passagens de uma vida
Minh’alma punge quando se rememora do som dos cata-ventos
Do sino da igreja afastada, do alvoroço das crianças na praça

Ora como o vento bravio que dilacera o peito nas lembranças
De gritos tão remotos que chegam em negrito e em caixa alta
E tudo se mistura, as palavras incendeiam como lança-chamas
Para gravar sua dor coberta de musgo nas pedras do caminho

Levanto-me, espano levemente a poeira do tempo de escrever
Olhos ao relógio, para saber a hora e se sobrevivi ao vendaval
Agora que o pulsar frenético das vozes noturnas vai calando
Sigo noite adentro delineando teu olhar profundo e distante

Nos passos ébrios destes versos, no ventre severo das palavras
Ponho ponto no fim da linha para que não seja apenas saudade.

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