sexta-feira, dezembro 23

Quando as nuvens passam e o céu é feito do azul cobalto
É sinal que nova chuva vem, o sol é só memória no poente
O eco meramente repete as mentiras que do vento ouviu
Ideia de futuros provisórios natos e findos em mausoléus
Há poucas coisas tão ensurdecedoras quanto é o silêncio
 
O poeta é resistência que não vai calar rasgando-se livros
Como mago, salva palavras em afronta à usual servilidade
Tatuando-as na lembrança, à esquiva de ímpias tradições
Nada aqui ou além, imóvel qual a pedra aceirada pelo rio
Assim ilude os algozes, oculta seus dentes entre a bruma
 
Desde as mais longínquas primícias, estava lá a oposição
Sempre fugaz fazendo o inventário de vantagens quistas
Toma lá, dá cá rumorejam ocultados detrás dos biombos
No mais, esperneios pueris desviam olhares de suas redes
Fica para trás dessa rápida investida, só o chão crestado
 
Um povo destruído pela intempérie, há tanto anunciada
Jacentes e esquecidos são os invisíveis aos olhos nobres
Dois brinquedos que flutuaram sobre a lama da omissão
Sinalizam famílias extinguidas, o fim das fábulas infantis
Homens de pudor incorpóreo de promessas incumpridas
 
Resta o odor acre da terra, o pasmo, o fervor sem fruto
O sol a burlar o cinza faz brotar a parede pintada a lápis
Emergem da lama escorrida em meio a outros destroços
Com a certeza de crianças que já nasceram moribundas
Serão lembradas entre lágrimas quando nova chuva vier
 
Ao poeta munido de sua pena, obriga recriar nos versos
O grito dos que não puderam gritar, qual fosse vinga-los
Evitar àqueles que, anos a fio insolidários, vistam louros
Façam-se protagonistas salvadores do mal que causaram
Olvidando que esse sangue derramado é do seu descaso
 
Mais um verão findo e almas soluçarão entre as árvores
A poesia impedirá esquece-los: são vítimas da corrupção

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