Travessia
Lembro que era crepúsculo e o sol já ficara na memória
Sabia apenas de seu corpo esguio e seus olhos amêndoa
Nunca perguntei nada mais e nos víamos livres de culpa
Será que em todo beijo uma boca beija, outra é beijada?
Digamos fosse minha nada sagrada e única incomunhão
Um idílio ao acaso, sem compromisso, sob um céu limpo
Mas o tempo passa e tudo sob seu jugo vê o movimento
Por vezes quando, pela noite, a olhar pela janela da vida
Atinamos que a morte poderá vir, insolente e sem aviso
Sem esse amor anônimo a derramar uma lágrima sequer
Algo a guardar na memória, nem chance de despedidas
Nos vemos miúdos, um parcel de terra não demarcado
E saber se a morte de fato viesse, não ter onde deitar
Descobri, então, que tudo que eu tinha era desusado
Qual guarda-chuva sem pano ou violão sem saber tocar
Uma ponte a atravessar, ninguém na margem a esperar
Em meu livro mil páginas em branco tudo por escrever
Perguntei-lhe o nome e lhe revelei gostar mais de azul
Abri-lhe todas as portas, ela me contou seus segredos
O número de seus sapatos. Fizemos planos e foi assim
Decidimos aceitar todos avisos que o amor traz a dor
Porém do outro lado da ponte, onde havia tão pouco
Muito mais que outras coisas, temos alguém a esperar
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