domingo, novembro 18

Cicatrizes


Eu, conquanto poeta, retrato a dor e a angústia da calada da noite
Acariciando o vernáculo, trato a minha carência num mar de branco
Busco seguir na calma do ventre das palavras pelas lonas madrugais
Frases em negrito, como que lançadas ao hiato por um vento bravio
Retornam em seu pulsar frenético nas margens que beiram as trevas
O poeta é um sobrevivente dos árduos vendavais da farsa da ilusã0
Pois nem o tempo suaviza certas recordações sofridas e indeléveis
Parcelas da vida se tornam abissais deixando cicatrizes dramáticas
Outrora foram nervuras que, em dias felizes, deixamos nos lençóis
Mas evanesceram num rompante, para ser apenas uma memória vã
É tempo de estio e na terra crestada do meu peito nada floresceu
A cicatriz é a estrela, protagonista de uma lenda legada ao oblívio
Da qual brotam tais negros versos ortogonais nas horas silenciosas
Tão esquivos como olhares gélidos, que querem seduzir, sem amor
O poeta disfarça duras palavras em finos trajes cortados em cetim
Para quem, em sua pequenez o feriu, insciente, ouvir ao som da lira
E ao mundo se queda mudo, para conservar virtuosas as aparências
Assim me arrisco, ébrio, na construção destes tão singelos poemas
Com 0 coração cerrado nas mãos entre um punhado de desilusões
Que se queimarão lentamente a cada verso nos castiçais do existir
O poeta é que retém o arco, mas também é em si, a própria flecha

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