Era onze da noite o dia descansava de suas lutas
ferozesAs tolas mariposas voam em direção à luz onde morrerãoNem se atentam à gritaria dos grilos que as tentam
avisarO reflexo da lâmpada rabisca a água e a divide em partesOlho à direita e ouço o som do Tietê* que corre furiosoDe postura rebelde,
assim como eu, não peregrina ao marOuço seu rumor e lembro a árvore sob a qual te conheciRecordo tua pele alva,
os teus olhos vívidos e irrequietosEram música as tuas palavras e eloquência o teu
silêncioTua voz terna e mansa era um paradoxo à zanga aquosaEu trazia alguns poemas
nas mãos e tu quiseste ouvi-losE foi assim que me despi
a ti, jamais obsceno, nu de almaE na mais graciosa expressão, tua alma encontra a minhaFoi assim que descobrimos a existência d’outro
universoMas o tempo inexoravelmente a tudo irá furtar o brilhoEu fora recitar uns poemas no sarau dos Corvos poetas*Mas um golpe cruel me silencia a voz e o tempo congelaCom a notícia que algum poder atroz te roubou de nósSemeando a semente mais amarga no fundo da gargantaSilêncio e saudade é
que restou desses dias venturososNo relógio do saguão,
solidário a minha dor, marca onze
* leiam o comentário
* Tietê: diz respeito ao rio Tietê que nasce em Salesópolis (SP - Brasil) e segue por cerca de 1100 km ao oeste, contra o sentido do mar, até desaguar no rio Paraná. Tem techos navegáveis e trechos bastante turbulentos.
ResponderExcluir* "Corvos poetas" foi um grupo de poetas que conheci na cidade de Bueno Brandão (MG - Brasil) que se reunia para saraus em cafeterias, bares, pizzarias, todos vestidos de preto, para recitar poemas.