quarta-feira, setembro 25

Caleidoscópica

 Ao alvorecer
O infinito se sucede
E nós, peregrinos
No horizonte
Divisamos
A última batalha
Ao crepúsculo
Desse novo dia
Somamos as memórias
E as lições da luta
Qual gérmens
Que se semeia
Em terra fértil
Na noite alta
O sonho recompõe
Uma vida alada
Caleidoscópica
Ao som de guitarras
Descobre num solo
O que há a saber
Tudo é tão só
O passar do tempo

Púrpura

No meu sonho acendi uma fogueira púrpura de lembrança
O brilho das chamas, repentino, ondulando pelas paredes
Iluminando urgente na noite d’uma atônita lua minguante
Pássaros voando são sombras, qual voamos dentro de nós
Já não me importa o que ficou para trás na outra margem
Seguimos carregando todas histórias em nossos alforges
Caminhando à beira do mar revolto, que ruge dia e noite
Guardamos nos ouvidos os augúrios sobre nossa partida
Deixamos nossa face nos espelhos embaçados de outrora
Transcendendo fizemos do ontem, hoje. É hora de partir
Se o voo ruma ao amanhã é tempo de desdobrar as asas
Os perfumes da mobília antiga vão se perdendo no vazio
Lá está a Via Láctea, onde apontam as nossas pálpebras
Milhares de pérolas tremeluzentes dependuradas no céu
Em cada esquina pode estar a morte, diz um dito popular
Digo que além das muralhas e dos mistérios, a revelação
Pode estar no pôr do sol, o entardecer aponta a direção
E as centenas de tons que se espalham do laranja ao lilás
São os mil caminhos da vida que se pode escolher trilhar
Tudo ressoa do amanhecer azul ao crepúsculo purpúreo
E aqui estamos de volta onde, do sonho, iniciou o poema
Entre milagres cotidianos, seguir em busca dos alebrijes


(*)alebrijes - veja no comentario



Sementes

Sou um homem que regou a terra onde deitou as sementes
Esperando retornar ao alvorecer do dia nascido sem medo
De longe avistei a rosa vermelha onde foi um botão de flor
Florescida mesmo longe pois o amor não conhece distância
 
Carrego na memória teus sorrisos e os sonhos que trocamos
E sei que as lembranças, qual um sol, incendeiam a memória
Secando o que havia de mel no recôndito de dias passados
E nem mesmo as lágrimas copiosas servirão para umedecer
 
Ainda reconheço o perigo pelas curvas dessa tua geografia
E as palavras tal um canto que nunca me permitiram esquecer
Quando a noite vier e trouxer na luz cintilante das estrelas
Uma nova esperança ao coração que deixou a dor para trás
 
Seremos então qual os preamares, regados de sal e de fúria
As espumas brancas que se levantam ao tocar os rochedos
Ou as ondas de mansidão e alegria que vêm lamber a areia
Para na maré baixa se retirarem quando o rugir do mar cala
 
Regresse a mim e vou navegar meus dedos sobre tua nudez
Viajar por tua pele noite afora, em silêncio, vou me perder
Acariciar cada pétala tua, minha flor de perfume exótico
E iniciar outra vez pois ao amanhecer a flor se abre à vida
E iniciar outra vez pois ao amanhecer a flor se abre à vida

quarta-feira, setembro 18

Sideral

Não importam a penumbra, as sombras da noite, a escuridão
Estarás sempre à minha vista por mais que eu me negue a ver
Além das imagens de quaisquer outras que eu tenha tocado
Ou dos amores que eu tenha tido depois que tenhas partido
Pois que fomos o relâmpago fugaz que antecede o estrondo
Um alaúde de desconsolo que naufragou pela impertinência
Dos teus modos maliciosos e das tuas suspeitas infundadas
E te tornaste a tortura sufocante em minhas noites insones
No teu oceano sem horizontes que dilacerou meus sentidos
Tuas ideias incompreensíveis sobre a posse de meus poemas
Foram qual maldição funesta a meu ser imperfeito, humano
Ainda assim, posso afirmar que eras apenas tu, sem desvios
E assim tu permanecerias até os últimos dias de tempestade
O romance que desejei fosse a história das mil e uma noites
Nascido numa primavera, mal avistou as fronteiras do verão
Desprezaste do meu sentimento visceral, universal, sideral
Para retribuíres com o hálito sinistro dos negros pesadelos
De desamor e loucura me alucino, morro e renasço das cinzas
Com magia criei o indecifrável, o poema abrigo de cada dia
De tons e sons angelicais fiz da solidão a melhor companhia


quarta-feira, setembro 11

A Carta (O Barquinho Vai)

 
Tenho nas mãos tua carta (e a surpresa que a tenhas escrito)
Olho-a tristemente e lembro muitas histórias do meu passado
Sei que não vês, que não sentes a emoção, nunca a sentistes
Devo confessar que não a abri, tampouco não prometo abrir
Espero estejas bem na tua ausência que nunca fora só física
Sei que o inverno por fim chegou até ti e assim te faz sofrer
Mesmo não desejando teu mal, todavia, isso não me importa
Como naqueles dias importava, demais até, cada suspiro teu
Ah a paixão, essa mania dos tolos e dos poetas (e sou ambos)
Olho para trás e observo as dunas que se elevaram entre nós
Desérticas, intransponíveis quais as tuas frívolas promessas
Eivadas de palavras polidas na forma, quão vãs no conteúdo
É hora de olvidar as aventuras, os sorrisos de cada chegada
Assim como foram ao oblívio, as lágrimas de tantas partidas
O que afinal poderias ter escrito que eu já não tenha te dito
E tenhas solenemente ignorado ou, quando não, contrariado
Não vou negar que há memórias inenarravelmente doloridas
Aquelas de nós qual amantes, de nossos corpos extenuados
Mas as sugestões dos amigos, te cegaram mudando os fatos
Para vê-los qual quisestes: da pior forma que se o possa ver
Eis que à carta que me destinas, cabe outro destino melhor
Seguir a corrente que a chuva da tarde formou no meio fio
Em esmerada dobradura à qual aceno o adeus que não deste

quinta-feira, setembro 5

Cristal

 Tão tristes
Margaridas arrependidas
No vaso de cristal
Murcham
Não há perpetuidade
Percebes?
As feridas
O fio da lâmina
O acorde feminino
Então o silêncio
Iludidas
A vida
Não é de cristal

Sem respostas

Novamente é setembro trazendo a primavera
A chuva açoita as árvores que vejo na janela
Ouço o vento e seu discurso de monossílabos
As vozes d’antanho recitam versos triturados
Lá se vão os irremediáveis fantasmas da noite
Minha realidade se dilui em águas e sombras
 
A caneta sobre a mesa e as folhas em branco
São um convite irrecusável meio ao labirinto
O poema desafia as horas que vão levar o dia
E o clarão do luar desafia a incessante névoa
Chuva, névoa, tudo guarda um certo encanto
Apesar da nostalgia que fez o pássaro emigrar
 
O que afinal nos movia? Era busca aos frutos
Ou o salto, a queda, o voo a desafiar o vazio
Escolhemos as palavras e esquecemos os atos
A noite avança e traz suas fadas e duendes
Então me recordo do que parecia impossível
Um dia tu não voltaste, negando a felicidade
 
Poderia até me enganar, dizer que não te amei
Que a alegria que me vestia quando tu vinhas
Não era por ti, mas justo porque o sol brilhou
Negar a volúpia que sentia ao beijar tua boca
Que me despertava todo desejo e juventude
Mas como negar o que era claro como cristal
 
Quem éramos? Pela janela busco as respostas
Só vejo a chuva, com ela o silêncio e vertigem
E onde era sonho é o vazio de dias obliviados
Na tua ausência o amor se esvaiu qual outono
Ficou ao passar um labirinto de folhas caídas
A história não narrada e o poema não escrito

quarta-feira, setembro 4

Olho-te

Olho-te e vejo uma ilha cercada de um mar agitado
Tua pele, qual a branca espuma, se estende ao céu
Onde meus pássaros livres podem fazer seu bailado
E num mergulho inigual te contar de tudo que já vi
 
Olho-te e vejo em transe minha primeira comunhão
Sinto a culpa de me fixar nas auréolas de teus seios
Que se me insinuam sob o vestido de renda e cetim
Fazem-me sonhar habitar teu fogo de lírios rosados
 
Olho-te e mesmo na distância te vejo no horizonte
E navego ao teu porto onde o sol brilha todos dias
deitar-me qual se fosse a grama serena da praça
Sob olhos de tal azul, que céu algum pode igualar
 
Olho-te e não imagino porque existem linhas retas
Se o contorno de teus lábios é tudo que vale olhar
De um vermelho que me impede de falar, senão sim
Tanto quanto ouvi-los, quero calá-los com os meus
 
Olho-te e sonho que pudesse ser o ar que inspiras
Ser a brisa perfumada das tardes vívidas do verão
Sentir o tremor de quando te toca a minha paixão
E dentro de teu coração sonhar que bate por mim
 
Olho-te, só vejo a perfeição no dia de tua criação
És poema de filigrana invisível em cor e inocência
Em desejo e luxúria, em beleza e saber. És única
Nascida de um sonho, vives eternamente em mim
 
Olho-te e vejo em tuas curvas perigo de me perder
Porque não há caminho melhor que teus quadris
Para fazer-me esquecer todos caminhos de volta
Na noite alta quando descobri que em ti sou feliz