sexta-feira, abril 26

Cenários


Da porta dos fundos, olho a chuva que cai e as lembranças vêm
Daqui não escuto os automóveis, frenéticos, a passar pelas ruas
Vejo o leve vapor que se desprende dos telhados sem seus gatos
Tudo se ilumina e não estou mais ali, vou revisitar outro cenário
Algumas memórias doem como chicotes na pele no escuro do dia
As cortinas ao vento da janela distante é o fantasma que acena
Para nos lembrar da temporalidade de nossa passagem por aqui
Deixo-me levar pelo perfume das flores, na terra recém-molhada
Sigo por caminhos tortuosos como o peregrino em país estranho
Que partiu para descortinar os mistérios contados ao pôr-do-sol
Os últimos raios do dia, refletem nas faces e seus cílios de metal
O poeta em sua azáfama de alquimista, constrói do éter o poema
As sombras caminham entre as árvores, encobertas pelo nevoeiro
Em meio a penumbra, ouve-se em coral, remotos sorrisos infantis
Brota no peito uma nostalgia: sou eu ontem entre esses cenários
À garota de olhos cinza, ofertei-lhe a mão para evitar os espinhos
Fomos assistir o pôr-do-sol, sentados numa pedra à beira do vale
Vimos juntos chegar a noite e, sob o luar, tocaram nossa canção
Caminhamos lado a lado e levamos o som da poesia no coração
Entre as estrelas ofertei-lhe uma flor e ela logo sumiu na bruma
Pois, de volta ao real. Lá na frente as pessoas apressadas se vão
Seus calçados polidos e brincos de pérola passando de lá para cá
Nem se dão conta da minha presença, silencioso a lhes observar
A mim, apenas resta pensar no outro eu que vive dentro de mim


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