Se escrever é fazer mágica, sou um mago; se for transformar, sou alquimista; se for dominar mistérios, então sou bruxo. Vim transmutar sentimentos em palavras e vice-versa. Os poemas falam de imagens, sentimentos e sonhos. Tudo se passa na vida real ou na surreal. Ao lê-los tenha atenção ao que está oculto nas entrelinhas. Deixe que os versos te levem onde o vento quiser levar. A musa de meus poemas é a vida. Estejam atentos, pois as palavras são metade de quem escreve e metade de quem lê.
terça-feira, julho 30
A noite
A noite brota
entre o arvoredo com seu sorriso escuro
Contagiando o
dia com uma amargura cega e assombro
Sequestrando o
brilho solar do alto do céu emudecido
Envolve todos
os olhares cansados com seu manto gris
A noite desperta os esquecidos pelas mesas dos bares
Aos copos e papéis, ébrios e poetas voltam seus olhos
Pela calçada
da noite, caminha o luto dos
extraviados
Levando nas costas dores vãs em seu passo de sombras
O negrume da noite esconde os prantos e as desilusões
Ecoando o canto dos menestréis no abismo da solidão
Enquanto os
cães ladram aos barulhos anônimos da rua
E os gatos negros
ganham, altivos, os muros e telhados
A noite pare esquinas,
suas meretrizes de pouca roupa
Tropeçando nos
miseráveis embriagados nas ruas sujas
Fazendo apagar
as luzes na janela das casas sonolentas
Onde se ignora
o brilho surdo das milhares de estrelas
Tu vens
Vens a mim, te aproximas e
antes que te anuncies, te reconheço
Num olhar de atração tão forte
que esqueço toda vida e morte
Qual um cântico milagroso que se faz das frases que pronuncias
Na luz suspensa da pupila te
admiro, teu torso nu, brilho estrela
De tua pele de pêssego flor e tuas curvas, infindável inspiração
Ao verso que, enquanto poeta, hoje e amanhã venho te compor
No deslumbre que, enquanto amante, me magnetizas e me calas
Com o silêncio que me
sugeres, se pões um dedo sobre os lábios
Lábios que acendem meu
fervor, qual o único destino dos meus
Chamado que arde-me tal braseiro rubro entre faíscas de ouro
As flores do campo espalham o
perfume de nossa velha paixão
Nos incita um abraço repentino,
enquanto toca nossa canção
Nesse movimento de tintas desenho
no sonho um novo arcano
Enfim a vesperal penumbra se instala e doce
brisa nos envolve
No campo sereno a noite flutua, adormeças minha
pura ninfa
Brota em mim novo e cristalino alento no azul do
firmamento
Sob reinventada constelação, a espada
flamejante do arcanjo
A nos proteger enquanto
levanto a poeira da abandonada lira
Com breve rumor, mistério de calma profunda
és reflexo de mim
Como sou eu de ti, faz que me indague se
somos uma única alma
quarta-feira, julho 24
Lágrimas Gramaticais
Lá estava ela embarcando no trem
Eu e meus olhos mareados d'água
Mão estendida à
beira da plataforma
Aceno como pudesse apagar a dor
E meu desejo, correr na direção dela
Confessar não, meu coração implora
Dar-lhe outro abraço, não um adeus
Dizer que tudo irá, em breve, melhorar
O apito do trem, se perde na distância
Tivesse ido, ao certo, não estaria eu
A derramar estas lágrimas gramaticais
domingo, julho 14
Sanidade
Morte esbelta e rompante,
indizível sereia musa dos suicidas
O céu é de um azul tão comum
e o vendaval sopra o milharal
Seu chamado replica no
silêncio, como um réquiem ofegante
Para evitá-la tem que
tornar-se surdo e tornar-se emudecido
Ocultar a língua, tato e
olfato e amanhecer entre os mansos
Meu coração acovardado admira essa mulher signo a pulsar
Anseia amá-la e ouvir a harpa performar as sonatas da noite
Pois ela é pranto e semeadura, exibe seus vorazes argumentos
Sem planos, votos ou rumores, apenas amar nus corpo e alma
Na louca confiança, no esquecimento iminente de si mesmo
Há que se despertar pela noite que pode ser mil e uma noites
Ou até durar apenas poucos minutos, mas deve ser
verdade
E de intenso, às escondidas embaralhar de novo o
almanaque
Seguir sem inventar valores, apenas aprendendo a
aprender
Tê-la entre os braços sem olhar os passos que ficam pra trás
O mundo existe de mentiras incandescentes. Existe e ponto
E não é metáfora, apenas
é essa quietude-delírio impossível
Essa espera sem frutos
de quem planta sementes de tâmara
Uma mulher peculiar que desabou sobre todos meus
sonhos
Para tê-la ignoro minha
sombra envelhecida, rasante ao céu
Abro-lhe o decote com ar possessivo e o que mostra é vida
Exuberância e abismo sob minhas pálpebras e mãos sôfregas
E assim é verão de novo, o amor certo a desafiar a
sanidade
quinta-feira, julho 11
Seca
O manancial
secoO sangue fluiA árvore caídaFolhagem
vendavalSem luaSem nostalgiaCego de amorA cotoviaO pintassilgoAtriz escândaloMilagroso caosDeixa-me
entrar nesseEnigma e
voltar livre pelo arÉ egoísta ter
um sonho só seuOnde o morto
faz papel de imortal.
segunda-feira, julho 8
Segundos
Na
pretensão pueril de criar palavras, somos poderosos
Cerramos
os punhos e diante de um inverno que soluça
Digamos
melhor: acreditamos que soluça e isso já basta
Mudamos
tudo em imagens iluminadas e tênues
suspiros
Damos
pálpebras, lágrimas a uma névoa, uma atmosfera
Como
acordes de amor, envolvidos em carne e abraços
No ar
pesado e viscoso das manhãs cinzentas ou tristes
O
inverno é a mulher de vestido decotado e de olhares
Lascivos
sobre si, rezas e suspiros, lépida e tão atrativa
Que,
qual de nós podia imaginar que a morte a acaricia
Que aguarda em impossível quietude sua vez de partir
Há que
se amar, salvar-se do desastre do esquecimento
Amar
para ao menos supor-se a salvo, que é o bastante
Amar
essa mulher, fundir-se a ela, pranto rosto
e pulsar
Há tão pouco a nos impacientar, a almofada, o
abismo
Bruxas escarnecidas e teologias rancorosas,
negações
Enquanto
eu aqui preencho minha insônia com
versos
Subindo
a “escada para o céu” de dois em dois
degraus
Se a noite desabar sobre os sonhos, o delírio é sanidade
Não
canta, mas é qual se cantasse, confortável e vazia
Seu
vento espanto, silva entre o silêncio das folhagens
Há que
amar-se sem pretexto, sem desperdiçar a noite
Amontoando
desejos e luxúria, segundo após segundo
quarta-feira, julho 3
Silêncio Mortal
Eu
morreria de silêncio acaso nenhum poema tivesse escrito
Não o
silêncio de palavras impronunciadas em salões sociais
Mas o
silêncio infecto e incurável que se alastra pelas veias
De
quem vira o rosto quando vê a injustiça ou intolerância
Do
preconceito insepulto d’eu fugir ao pensar tradicional
Eu
morreria de dor se acaso nenhum poema tivesse escrito
Ah,
quantas ovelhas já saltaram as cercas da minha insônia
As
soníferas ovelhas pastoreadas para me entregar à poesia
Tantas
vezes a carne dilacerada nas estacas da indiferença
As
amargas e doloridas estacas dos olhares de reprovação
Eu
teria morrido de tédio se nenhum poema tivesse escrito
Preto
ou branco que importa a cor além da cor do caráter
Azul
ou rosa a escolha é de cada um, honestidade importa
E não
escondo que gosto do ondular de garupas femininas
Egresso
do tédio das tardes chuvosas, é vivo e deixo viver
Por
todas as madrugadas vividas e todos os olhos olhados
Por
todas as esquinas e todas as lembranças clandestinas
Por
todos discursos verborrágicos, os silêncios eloquentes
Por
todos sim que já disse, por todos não que ouvi, talvez
Não
fosse o poema escrito, eu já teria morrido de silêncio
segunda-feira, julho 1
Era Amor
Ontem
sonhei com teus olhos quais esmeraldas
tardias
Na
muda vertigem evanescente que vem roubar
fôlegos
No
peito outrora inanimado palpitando arisco a galope
O
coração, translúcido, entre todos astros do cosmos
Em sua
vibração inaudita, a narrar infindas metáforas
E,
íntimo de espanto, ousa nominar de
amor tal sentir
Líquidas
vogais em melodia serena que a
chuva entoa
Ao
cair no zinco do telhado vinha para recitar
poesias
Enlevados
na música desse rio vertical que cai do céu
Por
mais que o poema escave na caverna dos fonemas
Sei não o dirás nessa tua formosa boca rubra de rubi
Mas sei era o amor a nos envolver ao juntar os lábios
Qual crianças perdidas na noite rompendo
distâncias
De
mãos dadas a caminhar sonâmbulas pelas estradas
Meio a
encantos e serpentes, arcanos e
confidências
Teu
corpo insinuante, tua pele sob meus dedos
ávidos
Desenhando
um trajeto de ousadia e curvas
sinuosas
Mas
mais que curvas e desejo, o amor na
sua essência
Devo
sucumbir à impotência de quaisquer vocábulos
Hábeis
para descrever sentimentos: a voz embargada
Que
recita versos com o tédio que só o domingo tem
A ânsia de erguer o manto do poema da segunda feira
Imitando
a água do rio e sua virtude de ser
disforme
Sabendo foi amor o fogo que nos aquecia no inverno
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