terça-feira, julho 30

Ocaso

Sigo cabisbaixo por entre lugares aos quais não pertenço
Este mundo de suspiros que calam na minh’alma inquieta
O vento de outono que sopra da serra quando o sol se põe
Assobia uma triste melodia para a beleza do cair da tarde
Meus pensamentos viajam como uma revoada de pássaros
Que vão se recolher piando queixumes em meio às árvores
Com o olhar penetro as camadas de neblina vesperal a cair
A dança da chegada da noite se repete efêmera a cada dia
Na minha solitude sigo os últimos laivos rubros do ocaso
No vazio desta jornada inglória de memórias tormentosas
Não há consolo aos heróis vencidos, só um silêncio infinito
Que se quebra somente com o estalar de passos na calçada
Enterro minhas ações em meio às folhas caídas no caminho
Meu espírito desarticulado já não reconhece o que é amor
Sacudo os sonhos, toco as flores ando pelos quatro cantos
Queria tanto situar-me onde mereço, mas só há escuridão


A noite

A noite brota entre o arvoredo com seu sorriso escuro
Contagiando o dia com uma amargura cega e assombro
Sequestrando o brilho solar do alto do céu emudecido
Envolve todos os olhares cansados com seu manto gris
 
A noite desperta os esquecidos pelas mesas dos bares
Aos copos e papéis, ébrios e poetas voltam seus olhos
Pela calçada da noite, caminha o luto dos extraviados
Levando nas costas dores vãs em seu passo de sombras
 
O negrume da noite esconde os prantos e as desilusões
Ecoando o canto dos menestréis no abismo da solidão
Enquanto os cães ladram aos barulhos anônimos da rua
E os gatos negros ganham, altivos, os muros e telhados
 
A noite pare esquinas, suas meretrizes de pouca roupa
Tropeçando nos miseráveis embriagados nas ruas sujas
Fazendo apagar as luzes na janela das casas sonolentas
Onde se ignora o brilho surdo das milhares de estrelas


Tu vens

Vens a mim, te aproximas e antes que te anuncies, te reconheço
Num olhar de atração tão forte que esqueço toda vida e morte
Qual um cântico milagroso que se faz das frases que pronuncias
Na luz suspensa da pupila te admiro, teu torso nu, brilho estrela
De tua pele de pêssego flor e tuas curvas, infindável inspiração
Ao verso que, enquanto poeta, hoje e amanhã venho te compor
No deslumbre que, enquanto amante, me magnetizas e me calas
Com o silêncio que me sugeres, se pões um dedo sobre os lábios
Lábios que acendem meu fervor, qual o único destino dos meus
Chamado que arde-me tal braseiro rubro entre faíscas de ouro
As flores do campo espalham o perfume de nossa velha paixão
Nos incita um abraço repentino, enquanto toca nossa canção
Nesse movimento de tintas desenho no sonho um novo arcano
Enfim a vesperal penumbra se instala e doce brisa nos envolve
No campo sereno a noite flutua, adormeças minha pura ninfa
Brota em mim novo e cristalino alento no azul do firmamento
Sob reinventada constelação, a espada flamejante do arcanjo
A nos proteger enquanto levanto a poeira da abandonada lira
Com breve rumor, mistério de calma profunda és reflexo de mim
Como sou eu de ti, faz que me indague se somos uma única alma

 


quarta-feira, julho 24

Lágrimas Gramaticais

Lá estava ela embarcando no trem
Eu e meus olhos mareados d'água
Mão estendida à beira da plataforma
Aceno como pudesse apagar a dor
E meu desejo, correr na direção dela
Confessar não, meu coração implora
Dar-lhe outro abraço, não um adeus
Dizer que tudo irá, em breve, melhorar
O apito do trem, se perde na distância
Tivesse ido, ao certo, não estaria eu
A derramar estas lágrimas gramaticais

domingo, julho 14

Sanidade

Morte esbelta e rompante, indizível sereia musa dos suicidas
O céu é de um azul tão comum e o vendaval sopra o milharal
Seu chamado replica no silêncio, como um réquiem ofegante
Para evitá-la tem que tornar-se surdo e tornar-se emudecido
Ocultar a língua, tato e olfato e amanhecer entre os mansos
Meu coração acovardado admira essa mulher signo a pulsar
Anseia amá-la e ouvir a harpa performar as sonatas da noite
Pois ela é pranto e semeadura, exibe seus vorazes argumentos
Sem planos, votos ou rumores, apenas amar nus corpo e alma
Na louca confiança, no esquecimento iminente de si mesmo
Há que se despertar pela noite que pode ser mil e uma noites
Ou até durar apenas poucos minutos, mas deve ser verdade
E de intenso, às escondidas embaralhar de novo o almanaque
Seguir sem inventar valores, apenas aprendendo a aprender
Tê-la entre os braços sem olhar os passos que ficam pra trás
O mundo existe de mentiras incandescentes. Existe e ponto
E não é metáfora, apenas é essa quietude-delírio impossível
Essa espera sem frutos de quem planta sementes de tâmara
Uma mulher peculiar que desabou sobre todos meus sonhos
Para tê-la ignoro minha sombra envelhecida, rasante ao céu
Abro-lhe o decote com ar possessivo e o que mostra é vida
Exuberância e abismo sob minhas pálpebras e mãos sôfregas
E assim é verão de novo, o amor certo a desafiar a sanidade

 


quinta-feira, julho 11

Seca

 

O manancial seco
O sangue flui
A árvore caída
Folhagem vendaval
Sem lua
Sem nostalgia
Cego de amor
A cotovia
O pintassilgo
Atriz escândalo
Milagroso caos
Deixa-me entrar nesse
Enigma e voltar livre pelo ar
É egoísta ter um sonho só seu
Onde o morto faz papel de imortal.

segunda-feira, julho 8

Segundos

Na pretensão pueril de criar palavras, somos poderosos
Cerramos os punhos e diante de um inverno que soluça
Digamos melhor: acreditamos que soluça e isso já basta
Mudamos tudo em imagens iluminadas e tênues suspiros
Damos pálpebras, lágrimas a uma névoa, uma atmosfera
Como acordes de amor, envolvidos em carne e abraços
No ar pesado e viscoso das manhãs cinzentas ou tristes
O inverno é a mulher de vestido decotado e de olhares
Lascivos sobre si, rezas e suspiros, lépida e tão atrativa
Que, qual de nós podia imaginar que a morte a acaricia
Que aguarda em impossível quietude sua vez de partir
Há que se amar, salvar-se do desastre do esquecimento
Amar para ao menos supor-se a salvo, que é o bastante
Amar essa mulher, fundir-se a ela, pranto rosto e pulsar
Há tão pouco a nos impacientar, a almofada, o abismo
Bruxas escarnecidas e teologias rancorosas, negações
Enquanto eu aqui preencho minha insônia com versos
Subindo a “escada para o céu” de dois em dois degraus
Se a noite desabar sobre os sonhos, o delírio é sanidade
Não canta, mas é qual se cantasse, confortável e vazia
Seu vento espanto, silva entre o silêncio das folhagens
Há que amar-se sem pretexto, sem desperdiçar a noite
Amontoando desejos e luxúria, segundo após segundo


quarta-feira, julho 3

Silêncio Mortal

Eu morreria de silêncio acaso nenhum poema tivesse escrito
Não o silêncio de palavras impronunciadas em salões sociais
Mas o silêncio infecto e incurável que se alastra pelas veias
De quem vira o rosto quando vê a injustiça ou intolerância
Do preconceito insepulto d’eu fugir ao pensar tradicional
 
Eu morreria de dor se acaso nenhum poema tivesse escrito
Ah, quantas ovelhas já saltaram as cercas da minha insônia
As soníferas ovelhas pastoreadas para me entregar à poesia
Tantas vezes a carne dilacerada nas estacas da indiferença
As amargas e doloridas estacas dos olhares de reprovação
 
Eu teria morrido de tédio se nenhum poema tivesse escrito
Preto ou branco que importa a cor além da cor do caráter
Azul ou rosa a escolha é de cada um, honestidade importa
E não escondo que gosto do ondular de garupas femininas
Egresso do tédio das tardes chuvosas, é vivo e deixo viver
 
Por todas as madrugadas vividas e todos os olhos olhados
Por todas as esquinas e todas as lembranças clandestinas
Por todos discursos verborrágicos, os silêncios eloquentes
Por todos sim que já disse, por todos não que ouvi, talvez
Não fosse o poema escrito, eu já teria morrido de silêncio


segunda-feira, julho 1

Era Amor

Ontem sonhei com teus olhos quais esmeraldas tardias
Na muda vertigem evanescente que vem roubar fôlegos
No peito outrora inanimado palpitando arisco a galope
O coração, translúcido, entre todos astros do cosmos
Em sua vibração inaudita, a narrar infindas metáforas
E, íntimo de espanto, ousa nominar de amor tal sentir
 
Líquidas vogais em melodia serena que a chuva entoa
Ao cair no zinco do telhado vinha para recitar poesias
Enlevados na música desse rio vertical que cai do céu
Por mais que o poema escave na caverna dos fonemas
Sei não o dirás nessa tua formosa boca rubra de rubi
Mas sei era o amor a nos envolver ao juntar os lábios
 
Qual crianças perdidas na noite rompendo distâncias
De mãos dadas a caminhar sonâmbulas pelas estradas
Meio a encantos e serpentes, arcanos e confidências
Teu corpo insinuante, tua pele sob meus dedos ávidos
Desenhando um trajeto de ousadia e curvas sinuosas
Mas mais que curvas e desejo, o amor na sua essência
 
Devo sucumbir à impotência de quaisquer vocábulos
Hábeis para descrever sentimentos: a voz embargada
Que recita versos com o tédio que só o domingo tem
A ânsia de erguer o manto do poema da segunda feira
Imitando a água do rio e sua virtude de ser disforme
Sabendo foi amor o fogo que nos aquecia no inverno