segunda-feira, julho 8

Segundos

Na pretensão pueril de criar palavras, somos poderosos
Cerramos os punhos e diante de um inverno que soluça
Digamos melhor: acreditamos que soluça e isso já basta
Mudamos tudo em imagens iluminadas e tênues suspiros
Damos pálpebras, lágrimas a uma névoa, uma atmosfera
Como acordes de amor, envolvidos em carne e abraços
No ar pesado e viscoso das manhãs cinzentas ou tristes
O inverno é a mulher de vestido decotado e de olhares
Lascivos sobre si, rezas e suspiros, lépida e tão atrativa
Que, qual de nós podia imaginar que a morte a acaricia
Que aguarda em impossível quietude sua vez de partir
Há que se amar, salvar-se do desastre do esquecimento
Amar para ao menos supor-se a salvo, que é o bastante
Amar essa mulher, fundir-se a ela, pranto rosto e pulsar
Há tão pouco a nos impacientar, a almofada, o abismo
Bruxas escarnecidas e teologias rancorosas, negações
Enquanto eu aqui preencho minha insônia com versos
Subindo a “escada para o céu” de dois em dois degraus
Se a noite desabar sobre os sonhos, o delírio é sanidade
Não canta, mas é qual se cantasse, confortável e vazia
Seu vento espanto, silva entre o silêncio das folhagens
Há que amar-se sem pretexto, sem desperdiçar a noite
Amontoando desejos e luxúria, segundo após segundo


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