Se escrever é fazer mágica, sou um mago; se for transformar, sou alquimista; se for dominar mistérios, então sou bruxo. Vim transmutar sentimentos em palavras e vice-versa. Os poemas falam de imagens, sentimentos e sonhos. Tudo se passa na vida real ou na surreal. Ao lê-los tenha atenção ao que está oculto nas entrelinhas. Deixe que os versos te levem onde o vento quiser levar. A musa de meus poemas é a vida. Estejam atentos, pois as palavras são metade de quem escreve e metade de quem lê.
terça-feira, outubro 29
Herança
O crepúsculo é o triste estandarte de nosso adeus
É uma cidade distante onde mora
o esquecimento
Mas em mim
ainda tremula a flâmula de teu sorriso
Que tinha como
mastro e morada esses teus lábios
Essa é a
herança que me coube dos antigos verões
Onde tu eras o monumento que adornava o parque
Porém também eras a árvore com raízes na mentira
Onde tantos
versos que plantei nunca viraram flor
E a porta do jardim, indefesa, continua entreaberta
Minha cabeça hospeda sonhos não compartilhados
Um madrigal no canto de azuis pássaros vespertinos
Mas a voz que
quis ouvir, se fez tão só de silêncio
Caminhei
tantos caminhos margeados de espinhos
As pessoas que
achei, não disfarçam tua ausência
Hoje ouço um
lamento remoto, sob o céu sem luar
Sei que é tua voz atônita, sombria, no ar de outono
Qual não ouvisse mais o vento que trazia os poemas
Que um dia foram
teus, mas ora voam outros ares
Sei que teu olhar perdido não pode ver a paisagem
Redescobri em meu peito um novo mar de palavras
Onde teu barco, partido, já não pode mais navegar
domingo, outubro 27
Letras de Outrora
Bem cedo talvez meia noite o poeta empunha o lápis como adaga
Derrama sua dor no papel, ferindo-lhe a carne estéril em grafite
Usa de vestígios de um alfabeto inventado e renomeia a ilusão
Busca esquivar-se de alguma obscurescência aguda da memória
Afinal qual de nós teria um
contador de sonhos atado no pulso
O ruído do cão roer uma cruz de madeira arranha meus ouvidos
Busco conforto, deito a cabeça em meu travesseiro de chumbo
Enterrado no pesadelo que não
amanhece e as portas não abrem
Repousa no ar um rumor espertinado, o cão geme e eu o maldigo
Se a morte é certa e indecifrável já guardei a moeda de
Caronte
Acordando de um sono profundo, deparo que o
outono chegou
Não deixo que se envenene a
esperança, um complô, um ataúde
Essas folhas vermelhas, por vezes as pérolas prateadas pelo céu
A hera emaranhada no salgueiro, os graciosos
lírios perfumados
Porém, essa nostalgia de desejo vestida do uniforme dos séculos
É o mito que o beija flor canta, acende
novo fogo, outra paixão
Permito que o astrolábio me guie nas idas e vindas às estrelas
A solidão é um engano, um tipo
de feitiço, um simples impulso
Antes de ser um nome
verdadeiro que se discerne de estar só
O poeta olha para si mesmo e reconhece que
venceu no escuro
Tiro o pó das velhas cartas no fundo da
gaveta desta dor eterna
Escondo-me entre as ruínas
dos antigos gestos, ora congelados
Escreverei uma canção orlada de flores violentas e da palavra sol
Que o delírio da noite que amanhece, ouve, mas não a entende
Uma palavra tão além das
letras de agora, verbo, terra e canto
quarta-feira, outubro 23
Salvação
É de manhã, o sonho se foi, bem-vindo o caos do dia
Vestimos nossa face acolhedora, mesmo em angústia
A caminhar por tortos caminhos errantes e remotos
O que viria como
salvação? O amor, a fé, ou o poema
Não há lugar na noite para o mutável ímpeto do amor
Não temos
tempo para saber tudo, sequer amar tudo
Mal há tempo para fumar um cigarro antes da chuva
Tal qual
lágrimas cadentes que ninguém sabe porquê
Insistem saltar entre as
pálpebras como ecos da noite
Apesar desse corpo que amanhece em nossos braços
O silêncio é a
oração que nossos lábios sabem recitar
Pelas madrugadas, juramos fé sobre Seu nome em vão
Vigília que chegamos a cair, n’alguma vez, de joelhos
O que não bastou
a Deus saber que estamos tão sós
E dar-nos do
pão do divino antes do último
aguaceiro
Esperando sentados à sombra dos tamboris a partida
Nos trens negros do crepúsculo a derradeira viagem
O verso é o que pode nos mitigar tais palavras rudes
De um compêndio mal escrito nas linhas d’alma rôta
O que vale é nos divorciarmos da mácula do silêncio
Que aumenta tardiamente na noite, de gota em gota
Enquanto a rua
se esvazia e pelejamos a desatar o nó
Nó sentido na garganta quando notamos que a morte
Vai acercar-se
prematuramente e não podemos evitar
Assim constatamos nossa incompetência à
eternidade
Fazendo-nos crer distantes de algum fio de salvação
Senão pelo
poema, qual o filho que nos carrega nome
Pelo mundo, aguerridamente, dando cor a todo cinza
Impossível
Se não me
fosse concedido querer-te
Se me fosse
impossível te fazer sorrir
Seria a
borboleta que pousa no pólen
E espalhar teu perfume
onde pousar
Se de meus olhos estivesses distante
Se me fosse impossível só te abraçar
Seria beija-flor
a segredar ao ouvido
Quem sabe assim para te conquistar
Se meu poema se
tornar triste e feio
Até me fosse impossível te escrever
Seria o sabiá a te cantar em gorjeio
Entre as árvores o meu amor contar
Se não pudesse ter visto teus lábios
E fosse impossível os tocar nos meus
Seria o suspiro que deixam escapar
Quando a lua desponta para te ver
Quão frio assim seria o meu coração
Se não lesse em braile o bater do teu
Breve manual para amar de verdade
O murmúrio
semântico num céu ocre nas tardes de tormentaVem tatuar indelevelmente com suas agulhas e tintas mineraisA face do ente
amado ausente em nosso coração
angustiadoProjeta-a nesse
instante contra o gris d’um mundo ultrajante Grava suas
marcas, profundos estigmas na essência
do existirO amor vem a
nós em conta gotas tentando inundar a
solidãoBuscando o feito
impossível de apagar a nota amarga da vidaA desconstruir
as asas de chumbo e a longitude da distância
No mesmo ato que
ordena negros ideogramas e anjos
ocultosO amor ordena a
vida ao nosso redor, qual breves lagos de arNa clara pretensão de inventar rosas vermelhas sem
espinhosE o ambíguo conceito que podemos doá-las à
mulher amada Quando a verdade
se subjaz à crua conveniência do momentoSó o poema,
recitado numa voz límpida mantém o
equilíbrioE a harmonia sem veladuras desmemoriais a alterar os
fatosEntregues aos trigais dourados pelo sol e ondulantes ao vento Quando estia e
a tarde recobra seu brilho, mínimos rumoresDe um retorno
tão esperado, vêm nos salvar desse cativeiroFazem a
construção de uma música clara e aroma de jasmimDe curva
sonora com ritmo de coração, sem outro pretexto Concluímos que,
de tudo, o que importa é vencer as chuvasUm amor cotidiano e permanente, não só debaixo
dos lençóisAssim pode cantar o amor nudez conservando sua inocênciaE nossas
gargantas podem se declarar num sentimento
maior
quarta-feira, outubro 16
Ser ou não ser
Não soua pele que me
envolveSou maisdo que há dedesejável em
mimNão souminha conta no
bancoSou maisdo que há deindesejável em
mimNão souo que a
circunstância exigeSou maisdo que já pude
elencarNão souQualquer
estereótipo de TVSou maisdo que uma
rebeldia imotivada O carma segue na
sua marcha, inevitavelmenteComo
planejado, resultando nas emblemáticasE fictas
espirais insertas no mundo de infinitosuniversos que,
refletidos nos espelhos já baços,Se fundem num
crucigrama de desejos alheios.Pois não somos nem eu, nem tu, nem ninguém
Contradança
Tolo eu que acreditei que a morte era só outra forma de
ser
Mas, a terra
se abriu e tragou tua imagem para nunca voltar
E sobre o
mármore frio, escada de cru silêncio, só uma foto
Que tempo evanescerá como as outras que vi pelo
caminho
Acho que levaste
contigo o canto dos pássaros da alvorada
É como se uma
maré de medo imóvel, tomasse conta de mim
Calando a pena
de meus escritos, murando meus
dicionários
Pois não
descobri uma palavra justa que coubesse no
poema
Ou que pudesse aliviar meu coração impávido diante
do fim
Agora sei que
a morte se assenta, dia a dia em nossos poros
Para nos cortejar sem que possamos presenciar ou
impedi-la
Com sua sombra
tecida de tempo, em labirintos intangíveis
Sem nomes, deixando para
trás todas ilusões e esperanças
Enquanto nos perdemos em detalhes somenos importantes
E nosso tempo
de vida incerto esvaindo em gestos
inócuos
Questiúnculas sem razões e logo tudo conhecido se desfaz
Tudo que já fomos
se evapora, senão uns átomos teimosos
Vivos no armazém
da memória num quebra-cabeça infinito
Que vão reiniciar a dança e contradança do que já
fomos
E no oblívio
azul, esquecidos de tudo, quiçá, fazer melhor
Lua Nova
Musa onde te
escondes, o dia parte já triste sem ti
O sol se esconde do dia num horizonte em chamas
Divide o céu entre brisa tépida e vento frio do sul
Eu escondo parte
de mim em teu corpo em chamas
Qual uma rubra linha divisória entre o bem e o mal
A lua desponta prata sob um negro toldo estrelado
Recortado pelas montanhas de um verde indistinto
No teu olhar
sereno, o que restou do dia de verão
Teu perfil à
janela, recorta a noite em luz e
beleza
De seios qual peras és o jardim do éden renascido
Teu torso esguio de palmeira, um paraíso tropical
No quadril violão
reside a música que me estimula
Meu novo mundo, onde cintila uma nova estação
De tanta vida e luz, se invejam primavera e verão
Quedo-me de
joelhos ante teus lábios encarnados
A nudez de teu corpo, é igreja de minha devoção
Na liturgia das
tuas doces palavras, és meu poema
Mar fulgurante de
vida, em tuas praias a repousar
Na sombra de tua gruta apuro meu suave paladar
Enquanto não
voltas todas noites são de lua nova
Mostra-te amada e
devolve o brilho a este mundo
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