Salvação
É de manhã, o sonho se foi, bem-vindo o caos do dia
Vestimos nossa face acolhedora, mesmo em angústia
A caminhar por tortos caminhos errantes e remotos
O que viria como
salvação? O amor, a fé, ou o poema
Não há lugar na noite para o mutável ímpeto do amor
Não temos
tempo para saber tudo, sequer amar tudo
Mal há tempo para fumar um cigarro antes da chuva
Tal qual
lágrimas cadentes que ninguém sabe porquê
Insistem saltar entre as
pálpebras como ecos da noite
Apesar desse corpo que amanhece em nossos braços
O silêncio é a
oração que nossos lábios sabem recitar
Pelas madrugadas, juramos fé sobre Seu nome em vão
Vigília que chegamos a cair, n’alguma vez, de joelhos
O que não bastou
a Deus saber que estamos tão sós
E dar-nos do
pão do divino antes do último
aguaceiro
Esperando sentados à sombra dos tamboris a partida
Nos trens negros do crepúsculo a derradeira viagem
O verso é o que pode nos mitigar tais palavras rudes
De um compêndio mal escrito nas linhas d’alma rôta
O que vale é nos divorciarmos da mácula do silêncio
Que aumenta tardiamente na noite, de gota em gota
Enquanto a rua
se esvazia e pelejamos a desatar o nó
Nó sentido na garganta quando notamos que a morte
Vai acercar-se
prematuramente e não podemos evitar
Assim constatamos nossa incompetência à
eternidade
Fazendo-nos crer distantes de algum fio de salvação
Senão pelo
poema, qual o filho que nos carrega nome
Pelo mundo, aguerridamente, dando cor a todo cinza
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