quarta-feira, outubro 23

Salvação

É de manhã, o sonho se foi, bem-vindo o caos do dia
Vestimos nossa face acolhedora, mesmo em angústia
A caminhar por tortos caminhos errantes e remotos
O que viria como salvação? O amor, a fé, ou o poema
 
Não há lugar na noite para o mutável ímpeto do amor
Não temos tempo para saber tudo, sequer amar tudo
Mal há tempo para fumar um cigarro antes da chuva
Tal qual lágrimas cadentes que ninguém sabe porquê
Insistem saltar entre as pálpebras como ecos da noite
Apesar desse corpo que amanhece em nossos braços
O silêncio é a oração que nossos lábios sabem recitar
 
Pelas madrugadas, juramos fé sobre Seu nome em vão
Vigília que chegamos a cair, n’alguma vez, de joelhos
O que não bastou a Deus saber que estamos tão sós
E dar-nos do pão do divino antes do último aguaceiro
Esperando sentados à sombra dos tamboris a partida
Nos trens negros do crepúsculo a derradeira viagem
 
O verso é o que pode nos mitigar tais palavras rudes
De um compêndio mal escrito nas linhas d’alma rôta
O que vale é nos divorciarmos da mácula do silêncio
Que aumenta tardiamente na noite, de gota em gota
Enquanto a rua se esvazia e pelejamos a desatar o nó
Nó sentido na garganta quando notamos que a morte
Vai acercar-se prematuramente e não podemos evitar
 
Assim constatamos nossa incompetência à eternidade
Fazendo-nos crer distantes de algum fio de salvação
Senão pelo poema, qual o filho que nos carrega nome
Pelo mundo, aguerridamente, dando cor a todo cinza

 


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