sexta-feira, janeiro 30

Caverna

Derramo sobre as linhas frases tecidas de inquietos traços supérfluos
Arde em mim essa tal agonia de que sou presa nestas noites solitárias.
Esse calor interior que arde como as pedras crestadas sob o sol a pino
Resulta de toda a frustração e carência que me preenchem de solidão

A noite avança trazendo as horas de calmaria e rareando as figurações
As ruas se desertam e o silêncio toma os espaços como rendas no tear
O azul noturno que a tudo absorve emudece os pássaros a se recolher
Que caminham para seu sono entre árvores, ensimesmados de mistérios

Nessas horas tranquilas afogo minhas piores memórias no esquecimento
Neste reino em que os répteis são os generais não há serenidade, só dor
Só um vácuo interminável em que meus sonhos flutuam em estagnação
Só sombras, sem rastros, omissas na densidade da noite ausente de luar

No paradoxo desse silêncio as nuvens em tropel anunciam a tempestade
A vida só observa desta caverna o fluir da existência no mundo exterior
Ciente que não há nenhum paraíso ao qual rumar quando tudo se acabar
Nenhuma lembrança sobre um amor realizado apenas carinhos ignorados.

Desamarro as pontas do fio do tempo e tudo se volatiliza, desincorpora
O poeta recolhido em seu cativeiro tem no cru poema seu único alento
E é assim que se move na escuridão, de esperança, sem planos traçados
Onde o princípio e o fim são os mesmos farsantes, na frieza vã do metal

O pássaro, enquanto dorme, sonha com o voo sobre uma terra renovada
Se concentra em seu corpo que flutua na sombra com ritmo e harmonia
Eu, por meu turno neste arremedo de existência, vago entre as palavras
E sem abdicar de mim, me renovar como folhas de árvore após o inverno