quinta-feira, março 31

Sonhei



O sonho propõe as obscuras estórias da consciência
Que vai navegando nas ocultas dimensões sonhadas
Renovado pelo oblívio que traz a luz de cada manhã

O sonho vem das encantadas linhas das constelações
Abre espaços no cerne fugidio do que se acha ser real
Nutre-se da própria negação na cor da flama primeva

Nele chega o outono inaugurando tempos de bronze
Transmutando por brandura os espectros da agonia
Para seguir embriagado a linha prata do arco da lua

Um pássaro a cantar comemora a colheita da cevada
Um homem celebra no vinho astúcias e esplendores
O poeta acumula na alma os soluços não consolados

Enfim o verão se foi, mas não seu rubor, seu ar febril
Deixou ainda nas nuvens da tarde vergéis de trovão
Como um tropel a anunciar que a noite se aproxima

Pensamentos marcham nos pátios desertos da mente
Por arcadas solitárias o amor busca ávido encontrar
Seu lugar e frutos, acolá dos muros, livre de grilhões

O regato adiante, nas estradas margeadas de árvores
Tem um rumor de infância, eis afinal o que deixamos:
A inocência rasa, a busca pelo amor ainda irrevelado

Quase a terminar o sonho, eis que afinal surges, nua
Nada a ocultar o corpo esguio, doce flor de tentação
Vejo diante de meus olhos um quê infindo de desejo

No sonho, o poeta empresta das flores seu perfume
Do vento emula o movimento em seu galope secreto
Meu poema não é tão-só o verso é o reverso do tempo

quarta-feira, março 16

O pavão e o mágico



Às vezes se instala em nós uma alegria infeliz, uma estrela sem brilho
Uma dor que desinventa a esperança e arreios antigos nos confundem
Pedaços de nós impelidos na brisa e o medo pulsa em meio a segredos
Do que restou nas auroras de outras idades, nas nuvens de carneirinhos
Num céu de agonias gris remonto ao silêncio se não me compreendes
 O breu oxida parâmetros e somos feitos apenas do tanto que perdemos
Não há amor nas imputações veladas que nos transformam em pavões
Amor é quando vens, faminta dos dias de ausência, íntima e namorada
O som do amor é azul, é ilúcido, irrigado de vinho, bocas unidas em ânsia
É quando me roubas o fôlego, nos pertencendo sob a estrela da manhã
Morro e renasço em teu seio onde me abandono nas horas mais tardias
Sim te abordaria a qualquer hora e sem motivo te cantaria uma canção
Porque dói a saudade num mar de memórias asiladas no vazio dos dias
São longas horas as que me separam de ti, errantes por amargas sendas
Ao longo delas, fico a fitar a porta pela qual não vais entrar, a me iludir
Na noite alta me resta ouvir o cão que, só e infeliz, late à própria cauda
Pois, não tomes rígidos significados em tudo que digo, fantasie comigo
Talvez só queira ouvir que me queres meio a esta ausência imperdoável
A vida corre veloz e, entretanto, não me tomaste como tua propriedade
Porque não olvidas tuas virtudes diárias e vens febril, nua e desvairada
Abdicada de lucidez, pois o que quero é soprar segredos ao teu ouvido
Para deserdado de juízo ou razão te fazer mágicas até o dia amanhecer