quarta-feira, setembro 25

Helena



O medo é um fantasma que arrasta suas correntes antigas
Por entre os corredores que negligenciamos na nossa vida
Em que renunciamos a partes de nós, partes de mim e de ti
Que escolhemos manter em segredo o que poderia nos ferir
Por acreditar que a chuva é capaz de se ocultar das nuvens
E que, no entanto, a brisa o revela às águas indóceis do rio
Foi nesse desatino que o medo pulsou para que perdêssemos
Para que tudo fosse ausência e dor no mistério gris da solidão
Nesses desvãos da alma, serão só perdas, pedras inominadas
No apogeu dessa angústia, tu vens e declaras que me queres
Para quebrar aquele frio silêncio tão inútil quanto um adeus
Este coração se põe então a galopar, corcel livre na planície
Rompante, sob a luz das estrelas, reluzentes, na nova estação
Chamo por ti debaixo dos astros que, bem sabes, eu lhos dei
E te ergues a dançar, como só a esperança o poderia realizar
À porta de um novo dia no qual essa paixão sublime se firma
Que sob o teto iluminado da aurora se arvora a sair do peito
A fazer que meus olhos te sigam atentos, breves e anônimos
Para hastear a bandeira desse amor incontido e imponderado
Gritar teu nome, Helena, minha e única no oceano do existir

quinta-feira, setembro 19

Ensaio


Há dias que se acende a melancolia, a qual fosse uma febre
O que é quase um pranto brota dos olhos, em descompasso
Imagino-me como se estivesse só e bêbado no mundo baldio
Então nada basta, nem meus verbos intransitivos nem o luar
De tão absorto, nem sei se ainda estou comigo nessa queda
Ou vendo à distância a vida correndo do outro do estuário
Enquanto meus olhos navegam pelo mar das consequências
Ah, são tantas cicatrizes e são tão doloridas para se olvidar
Dão ares de que já se infiltraram entre as fibras de meu ser
Não há um ensaio para a vida, vivemos o próprio ensaio vivo
Eivado de revezes e de teorias indiscerníveis sobre o existir
Não se deve julgar o presente pelo passado, que é só ensino
Mas é então que surges no sonho, incendiando-me os lábios
Para que eu me desvie do desânimo, o qual me levaria ao fim
Pois essa que borbulha à frente não é realidade, só miragem
E teu corpo emerge das nuvens vestido de seda e esperança
Para me ensinar a esquivar tais gretas em caminhos falidos
Tuas palavras singelas, verdadeiras, meu coração reinventa
À noite nasce o poema, ignífero, resultando do ensaio de ser
Para deter a sensação da queda, uma preparação milagrosa
Devolves-me aos trilhos e ao destino que escolhi ao teu lado
Viver a vida que houver, finita, mas eterna em que seja amor