domingo, julho 30

A dor de escrever

 Há vezes em que escrever é uma dor sem contornos

Algo que viaja dentro de nós é, por vezes, tão infeliz

Qual um brilho negro, um fulgor trazido pela solidão

O rigor da contradição de estar parado movendo-se

No paradoxo que não se cala além do entendimento

É o desamor, a fúria, o drama de um inimigo interior

Que, perturbado, se descobre na própria identidade

É fogo que não queima, o corpo não cintila e se cala

E reverbera o eco esquivo de suas ocultas fantasias

O quadro interminado em que o vazio se multiplicou

Até pergunta-se do fluxo sonoro de antigas palavras

A cor vibrante do escrito, viva nas primeiras fábulas

Parece não se recompor, límpido como era no início

Mas se apresenta frio qual palavras de um geômetra

Que a plateia ouve calada, sem qualquer sentimento

Teria a sombra devorado o brunido das conjugações

Teria o poeta partido, se tornado tão só um fingidor

Vou negar na certeza de quem já jogou com a morte

E venceu por amor, assim descobriu as próprias asas

Pois quem ama luze, viaja a estrada além da tristeza

E preenche a angústia nas trevas onde se concentra

Reinventa a esperança num amor que cale nossa dor

Faça do drama o risco de quem vive só da sua forma

E no tumulto do espaço sabe a vez da fala da paixão

quinta-feira, julho 27

Periferia

 

Chegou a chuva e se desfazem os passos e as pedras

Bailam os restos e garrafas plásticas ao vento cálido

O córrego arrasta, vai levando sob dias tormentosos

Bem nessas horas inundadas, o barro, os cães mortos

O esquecimento é o tempo que se lamenta as perdas

E fazer parecer que não há mais nada para se perder

Algo que respire diferente, nem olvido ou lembrança

O lixo, ruas tristes, os tetos de zinco, assim é a vida

Uma certa amargura flutua no ar bem ali na esquina

Lentamente. Um ranço de cerveja que se derramou

O homem parado à porta, sozinho, curvando de frio

O ônibus passa entre as casas baixas e gente a olhar

Quase nada a celebrar, só há névoa e notícias ruins

Uma garrafa em cacos, o às de espadas, uma música

O vinho amargo, um olho desorbitado, não há amor

Nas águas da chuva, sem perdão, só mais do mesmo

terça-feira, julho 25

Alento

Nua, flutua

lua, acima

dos telhados

já úmidos

e as ruas sozinhas,

solitário,

vejo que vai

dissipando

o rastro

de teu alento

a cada passo.

O silêncio que precede a tormenta

Um vácuo,

um vazio

a tormenta

nos olhares,

na voz,

nossa voz,

e um deserto

precário

na espera