quinta-feira, agosto 31

Anatomia das Estrelas



Assim estudando a anatomia das estrelas hoje nasceu um novo dia
Nele se fez tua presença como uma mensagem concreta de rara luz
Tu vieste como se fora um pensamento contente rondando os meus
Assim que o sol lhes apontou uma direção... Dissestes olá, sorrindo

Lembro-me de cada frase tua nas noites, de teu riso banhado de lua
Luar que se espelha em prata e em brilho sobre a superfície do mar
Fulgor de vela que arde, chama dançarina que persegue o horizonte
O mar pobre poeta cria ondas pois não sabe a verdade de tua beleza

Mas não traduz teu olhar, pois este germina de mansidão infindável
Olhar que quero eternizado em tela, a vida recomposta em aquarela
Mas meu querer resume a visão do luzir de nosso desejo incendiado
Tal qual fossemos dois sóis se inflamando no silêncio da madrugada

As noites derramam seu choro profundo em cada gotícula do sereno
Na visão enquadrada da minha janela és figura fascinante ao infinito
No espantoso mundo dos meus sonhos, dorme afetiva a tua presença
Pousas leve na carícia que fazes em mim, incessante, silhueta de paz

Ainda que a dor persiga meu poema, buscando em mim as respostas
Negar-lhe-ei tais rumos, porquanto é real, ao julgamento do coração
Vou saborear o fim da tristeza dessa noite, engolir meu ocaso árduo
Aprumando meu peito flutuando junto às sementes de dente de leão

Salivo o orvalho, semeado com as réplicas tristes deste meu caderno
Qual fosse a dor exposta no esplendor dum crepúsculo sem amanhã
Onde cada folha se entrega ao frio do inverno e teus olhos de raízes
A dizer-me apenas: ‘não tema’, os fortes vergam, mas não sucumbem

E minha presença incompreendida, haverá de ser, enfim, o teu amor


segunda-feira, agosto 21

Ontem e hoje



Hoje eu quis um poema feito de palavras que não são minhas
Que seja escrito de frases colhidas na brisa do que se passou
Dos sinos da velha igreja a brandir nesta manhã de claridade
De um amor plácido que me leve pela mão pelas ruas da vida
Onde, ao som do realejo multicor, consulte a sorte, na praça
Onde a fonte canta e o cheiro doce do jasmim preenche o ar

Mas houve um tempo, para lá destas linhas, tanto divergente
Sentia-me ao chão, à margem da vida, ambicionando desejos
Enquanto chorava lágrimas de sangue à espera daquele ombro
Mas que nunca veio e tingiu a minha pele de negros lamentos
Que pararam meu mundo ainda em pleno giro e na escuridão
Mergulhei fundo naqueles olhos que aproveitaram me afogar

Queria dizer era magia, mas não, mal era um truque de mágica
Hoje vejo claramente a farsa. Por me tirares o prazer de amar
Com sua gris ausência deliberada, que roubava meus desejos
A estraçalhar e sugar meu coração com seus dentes canídeos
Com alívio, ouço que passos já se distanciam além da estrada
Felizmente ela se foi daqui e no íntimo me declarou libertado

E afinal, foi essa distância a luz que trouxe paz neste instante
Então o verso transcendeu-se, renascido vivo no meu âmago
Pois é a poesia o que deve vestir e revestir o íntimo da pessoa
À noite, ando nas calçadas vazias antes pisadas por multidões
Comemoro tua face serena, este relance do paraíso que achei
Dou-te versos nascidos de palavras que não eram de ninguém

quinta-feira, agosto 3

Celebração



Hoje celebro minha presença em ti ainda que seja um átomo que habita teu ser
Uma haste da relva de teu verão, mas divertido, compassivo, sensível, profuso
Em ti descanso tranquilamente e convido minha alma. Em ti, louco me refugio
Com a esperança de não cessar até morrer. Ecos de minha mais bela inspiração

Mesmo sonhando, reconheço na atmosfera a tua fragrância entre mil perfumes
Fica esta noite e ainda este dia comigo e será tua a origem de todos os poemas
Até despir-me-ei de meu disfarce e ficarei nu de crenças pelo bem ou pelo mal
Ouça o som, canção de nós mesmos erguendo-nos da cama e encontrando o sol

Ao meu lado, será teu o bem da terra e de todos os milhares de sóis a descobrir
Hoje me recebe, ainda que seja eu apenas uma das árvores de tua vasta floresta
Sente o odor de minhas folhas verdes como a essência que inebria eternamente
Ouve a algazarra remota da infância nos campos e colinas do outro lado do vale

Repara no gorjeio matinal dos pássaros quase a sussurrar nos ramos das árvores
Na dança de luzes e sombras que a brisa causa ao soprar suave como um abraço
Ouve o som da minha voz a te dizer redemoinhos de palavras aos quatro cantos
Respira esta poesia de murmúrios vagos talhada nas pedras brunas da beira mar

Ainda que não enxergues através dos meus olhos vê minha certeza do que sinto
Certeza tal a mais certa certeza no envolvimento da verticalidade de nossa vida
Sente meu anseio recriador do mundo, sem paraíso ou inferno, mas tanto nosso
Inalcançável aos eruditos e ignorantes este mistério vive e aqui estamos, juntos

Aceita meus beijos e abraços afetuosos, altivos, etéricos replenos de substância
Também por achega o sexo, quiçá omisso, mas feito na batida do meu coração
Saibas não possuíras coisa alguma de segunda mão nem alimentarás fantasmas
Estou sim satisfeito – vivo, danço, rio, canto busco dar o melhor e isolar o pior

Entenda não é possível mais perfeição que agora e há ardilosos sempre à volta
Olhando com a cabeça pendida para um lado, curiosos sobre o que está por vir
Se aprazem com a solidão, sentem orgulho sem entender o sentido dos poemas
Mas só nós sabemos provar o invisível ou qualquer partícula que ninguém a vê

Pois te convido a este amor de raiz que enche nossa casa com sua exuberância
Conhecendo a adequação e a equanimidade das coisas, enquanto eles discutem
Tu és necessária nesta estrada como a passagem do sangue através de pulmões
Serei sempre teu companheiro amoroso que dorme abraçado a ti a noite inteira

Um dia, algum lugar, uma eternidade após, eu lembraria tudo isto num suspiro