domingo, fevereiro 13

Olhos

 Sento-me à mesa e curvo-me ao amor, às miragens e aos desertos

Busco a verdade em poucos gestos, a dor e a estrela como irmãs

Entrego as palavras corroídas pela ilusão e pelo espírito em fogo

Aceno ao mundo com breves recordações, todas alheias à razão

Eu fiz-me entregar à cegueira para poder ver com mais perfeição

E, na imensidão do nada, foi onde pude ver a eternidade exposta

 

Uma canção como lamento vem da janela, é chegada a primavera

Sei que nesta viagem a morte pode embarcar na próxima estação

Como precaução saltarei uma antes, pois não há pureza absoluta

Aceite o olimpo os tantos poetas que saltaram na estação errada

Fazendo poemas sobre o que nunca tocaram, sobre flores mortas

Se errei foi ser tal a jovem que quer a virgindade, mas dorme nua

 

Tive olhos doces a me seduzir, mas sei que o mel pode ser veneno

Aguçaram-me os sentidos as bocas onde brilha o vermelho batom

Em todos acenos, braços estendidos, fugi por saber-lhe as presas

Mas vi a inocência residir n’outros belos olhos, banhados em luzes

Sem tramas ou linguajar cáusticos, tua canção promete surpresa

Curvo-me para beijar-te os pés, pois falas a língua dos menestréis

 

Curvo-me com humildade, pois sei que muitas coisas ainda ignoro

Vergo-me à divina existência da mulher, condenação dos incautos

sexta-feira, fevereiro 11

Lugares

 O poema é o lugar que descobri para escapar ao mal

Onde a vida e as pessoas podem se esquecer de mim

Ah, os vazios do mundo, só o poema lhes deu corpo

Onde o medo e seus labirintos não podem me tolher

Por vezes tive que esticar as asas, me lançar ao céu

Quanto mais alto fui, menores ficaram as tormentas

Dos que se angustiavam apenas por me ver escrever

Quantos versos foram de lágrimas e quantos de riso

Mas em qualquer caso era a liberdade que conduzia

Isso me permitiu ser dono de mim, ser filho do vento

Meus poemas tiveram sons, tiveram flores e perfume

Já me disseram que invento histórias, mas nada disso

Meu poema nasce da minha vontade de ser e resistir

É o alimento do coração faminto, minha água e o sal

O poema é um gesto de verdade e, quiçá, embriaguez

O que me conduz sem timão, mapas e sem horizontes

Sou o navegante solitário, nestas cantigas e lamentos

Onde diluo as saudades e hasteio a bandeira do amor

segunda-feira, fevereiro 7

Amargura

 Sua pele era muito clara, não pálida, mas delicada

Seus cabelos dourados, aéreos, caiam aos ombros

Olhos de esmeraldas entre lágrimas, eram ternura

Seus olhos semiabertos, se faziam luzir de volúpia

Quando me olhava de lado fingindo-se de zangada

Cruzava os braços e os seios afloravam no decote

Era qual delírio, raros instantes em suave martírio

À espera de beijar seus lábios vermelhos de desejo

Trêmulos ao tocar os meus qual um coro angelical

Porém a verdade deve ir além de todas aparências

Agora é só silêncio de morte, só tristeza e solidão

Brutalmente desperto de um sonho, fria realidade

Tudo que restou, está tão somente em meus olhos

Toquei teus lábios, descobri que estavam tão frios

Nosso abraço não tinha teus braços a minha volta

Nada mais existe além de meu incessante desvario

Teu olhar, indiferente e fixo no vazio, é tão outro

Apesar do tempo presente, tudo ficou no passado

Na minh’alma de poeta, só ficaram raízes inférteis

Cicatriz que perdurará, noite a noite, hora a hora

O que sonhei ventura, nunca passará de amargura

sábado, fevereiro 5

Miragem

 

A mão do tempo de alguma forma murchou as ilusões

Murchou as flores que te colhi e não quiseste cuidar

A tristeza na alma do poeta, a enchente de angústias

Na dor sombria e erma, a distância aguda que criaste

Tua voz ausente pelos cantos, despovoados da ilusão

A flor outrora íntima e cheirosa que renasce espinho

O último consolo cai, tal qual folhas secas e amarelas

A noite arrasta seu manto, verte o derradeiro pranto

A aurora já se debruça sobre os montes e cora o céu

O cansaço da noite indormida, irá ocupar os espaços

Estrelas vadias, uma a uma, retiram-se com os sonhos

Mas tua lembrança, esse trágico devaneio, me inspira

A seguir-me radiosa fazendo verter pares de lágrimas

Minh’alma deserta ambiciona a paz para dias futuros

A luz inoportuna do dia lembra que a faina não cessa

E o amor que a tudo preenchia, doce, foi só miragem