domingo, setembro 24

Bandeiras desfraldadas



Os dias seguem com suas bandeiras agitadas como de um exótico festival
Há no peito aquela dor que silencia a fala, que, ao mesmo, tempo a cobra
A dor que já não sei se foi de ti, se de mim, se de tudo ou se de tanto nada
Uma dor e não para e nada para, como despedidas de um grande desastre

Hoje o mundo não apetece-me. Há no dia um tom vago, incerto e nevoento
Algo inexplicável e insolúvel. Como eu queria quem me ensinasse do mundo
A desdobrar-se como a minha fada da sorte. Lançar os barcos ao mar, voar
E deixar para trás o silêncio das casas assombradas com sangue nas janelas

Tristes cenários em transformação pela minha vida afora a cada hora vivida
Queria apenas ser eu plenamente, saber o que quero curar e o que nada cura
Fantástica bandeira em rumos incertos, para onde longe é mais perto. Aqui
Silêncio, bocas jazem escancaradas e gritos amordaçados que calam a noite

No grande livro de imagens, um lenço bordado aparece em primeiro plano
É o lenço que acenou-lhe no embarque, mas ela, indiferente, nunca voltou
Há uma porta de cristal aberta entre tantos sonhos esquecidos à luz do luar
O que resta é um efémero arrepio, uma lembrança que esvaiu subitamente

O último raio de sol da tarde se reflete em seus olhos. Afetos? Só desvarios
Ao longo da muralha que cerca nossa vida há palavras de todas as espécies
Há aquelas que nos chegam à boca quase ilegíveis, emparedadas, sem azul
Há vida ou morte em cada palavra que se diga, mas só a certeza nos redime

quinta-feira, setembro 14

Soneto




Bem ao longe o perfume dos campos já saúda suas flores
Que hão de chegar com os primeiros laivos da primavera
Há flores que se despem translúcidas diante destes olhos
Para negar o desespero nas curvas dos sonhos renegados

Uma papoula rubra abre-se solitária na margem do poema
Acena lá da borda ao mesmo tempo que ensaia um sorriso
Observa-me e se compadece deste ser lacerado de descaso
Diz que ficaram no passado tantos dias de dor e assombro

De um caos instalado no corpo, arraigado no mais íntimo
Ao cheiro do vento da noite sob mil estrelas que cintilam
Não tardará que em meu peito se instale um soneto ditoso

Que brotou ao fim do abandono, dessa espera consentida
Mansos poentes apresentarão seus pássaros e suas danças
Tudo envelhece, a voz cansa, mas a verdade é sempre nua
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