quarta-feira, março 23

Zero

 O coração sofre. Alheio à ambivalência do contexto
Na sua fome dos dias de glória, outrora sobre o zero
Enquanto os ponteiros dançam a sua transcendência
O espaço afora do telúrico ensaia suas discrepâncias

Pelos prados, sou o barro vivo a metamorfosear-me
A seguir inefavelmente dissociado de qualquer eixo
Tal fosse um astronauta a descortinar o jamais visto
Qual se situa nas coordenadas entre o céu e o nada

Para cá, o rio toca a sinfonia da água se esgueirando
Entre as pedras, tudo maquiavelicamente conduzido
De inescrutável forma a causar os tão distintos sons
E o coração não lhes grava a diferença, apenas bate

Mergulha nas águas até crer que vai cessar de bater
Contudo, aflora à superfície solerte às novas perdas
Pois inda guarda os detritos da fé na face insultada
Extáticas memórias, no fragor de gestos de virtude

Ergo-me sobre meus pés, poder herdado desde a luz
Levo meus versos ao vértice na tangente do infinito
Entre pares descubro a mesquinhez e suas tecituras
É um terrível abismo remoto e sempre intransponível

Quando na escala de estrelas, vão se somando zeros
Vendo contingências imponderáveis, ilógicas e irreais
Torno-me impassível e orbito na delícia de perder-me
Desnudado, não maldigo ou abençoo, sou tão-só eu!

quinta-feira, março 3

Ocasos de Setembro

Como poderia perdê-la
Se nunca a encontrei
Não toquei-lhe meus dedos
Nem lhe fiz um afago
Não caminhamos pela cidade
Não pisamos a relva
Nem sabemos a cor
Do ocaso de setembro

Como é possível perdê-la
Se nunca pude vê-la
Se meus braços não a alcançam
Na raiva desta ternura remota
Ou em minha alegria profunda
Da esperança de conhece-la
Ela viverá eterna em mim
Num ocaso de setembro

Como falar em perdê-la
Se dela só conheço a fala
Se não lhe senti o calor
Nem o doce dos lábios
Nem o perfume de lilases
De sua tez que não toquei
Mas que habita meus sonhos
De todos ocasos de setembro

terça-feira, março 1

Poema da Saudade

 

De onde venho não há primaveras floridas
Só há as noites eternas e suas longas mãos
O vento ronda à minha janela como soluço
Um alarido para que eu esqueça quem sou
Lá fora, poentes dolorosos, nessa planície
Onde, cotidianamente, morro com os dias
Quem me invoca o nome além dos mortos?
Tão sós, contemplam o horizonte pelo mar
A garganta se cala entre mil interrogações
Esta terra de frutos pálidos não é a minha
Nem estes regatos são traços de meus rios
Ouço línguas estranhas e não compreendo
A névoa sepulta o ouro de velhas canções
Recolho-me no luto, para não enlouquecer
O teu semblante eterno, não me abandona
Sempre me fitas, silente, um cristal no céu
Mas por mais que te veja, não te encontro
Assim a vida segue entre retornos infinitos