terça-feira, agosto 30

Ode ao Poeta




Certo dia ouvi alguém dizer: o poeta não é servo da verdade
Mas a dicção esconde o real, ao não definir o que é a poesia
A poesia não é um axioma, nem remata só uma possibilidade
Não é em si o instrumento que pode traduzir uma existência
E assim o verso é quase sempre muito menor que seu autor
Pois a escravidão do poeta é a insubmissão ao esquecimento
O que o poeta em seus brios doa ao mundo é a não solidão
E esta se encontra no plano cósmico, além da compreensão

Os contares do poeta não sucumbem à imensidão mundana
A qualquer tentame de tranquilidade por mais que exausto
Ou ainda que um peso secular lhe pouse sobre as pálpebras
Sempre haverá reminiscências a incitar a pena sobre o papel
Para derramar sobre este os retalhos do tanto que foi vivido
Para que outros corações se apropriem do sorriso ou da dor
Que versos felizes ou dilacerados trazem na alma do poema
O mínimo invólucro do poeta em concepção no pensamento

A ideia do artista se revolve em ventre no universo do pensar
Como se a compreensão do cosmos se lhe confiscasse a alma
Exigindo que fosse interrompida a vida real em nome da arte
E falar que essa necessidade quase insuportável de escrever
Vem lá das entranhas ansiando subverter o próprio destino
Como se uma única palavra pudesse calar ao deserto do ser
Curar essa ferida que decorre do sacrifício de só sobreviver
Quando o que se quer é uma vida plena de alegria escancarada

É imperioso coragem para decompor a realidade em quimeras
Há no verso a força quando a sombra parece intransponível
Pois muitas vezes as tempestades íntimas surgirão do poema
Quando a vida é resistir e vencer a angústia e seus mistérios
Quantas alvoradas o verso não emana como lágrimas na face
Por reconhecer quanto medo pode haver diante do precipício
Para não permitir as palavras enclausuradas dentro do peito
Propor que ainda é possível sonhar outra vez, apesar de tudo

Ser poeta é ter a fibra de ser o protagonista da própria vida
Achar forças na pluralidade das opções e gritar não ao abismo
Saber que cada cicatriz desvenda uma história nesta existência
Reunir todos os eus na sua multiplicidade para revelar-se nu
E mesmo desolado manter o dever de regatar algo bom em si
Conviver e confundir-se com aflições que lhe povoem os dias
Até ver a lua surgir prata e luminosa orbitando ao seu redor
Andar pelo sempre na busca infindável da flor chamada amor

quinta-feira, agosto 25

Instante



Há um instante entre tantos outros possíveis instantes
Em que te olho no fundo dos olhos e nada mais importa
O tempo, o espaço, o resto do mundo ou ainda a chuva
São dispensáveis as palavras, outros gestos e alegorias
Além do balançar cadenciado de nossos corpos juntos
Vamos ao fundo do ser num ritual que só nós sabemos
Dois corações em um só ato e dois corpos como um só
E todo o caos do universo em um momento se compõe
Nesse mundo à meia luz, na inocência de nossa nudez
As sensações se apropriam da tola presunção racional
Até as mais firmes certezas desabam em cor e suspiros
Assim sei que és meu templo e meu amor é a tua oração
Percebemos que já fomos náufragos dessa velha solidão
Uma emboscada do vazio, um jogo perdido de antemão
Porém, de mãos entrelaçadas caminhamos juntos agora
Para reescrever a vida na longínqua terra da imaginação
E afinal habitar tua geografia com meus cavalos de fogo
A viagem chega à estação insciente da harmonia divinal
Mas fica, ama-me outra vez. Para sempre neste instante