sexta-feira, julho 31

A volta da chuva

Os dias se passaram chuvosos, não há sol em mim, só negras nuvens
Nascidas do frio interior ou do medo que se passa à espera da morte
Essa companheira tão indesejada que comparece sem ser convidada
Que cala as perguntas sobre o ser num coito sem final e sem prazer
Fruto dessa agonia lacerante que o tempo traz à tona cada instante
Melhor era esquecer, mas como não perguntar se a dúvida consome
Se os sonhos se tornam sombras e os abismos capturam o nosso voo
Queria uma vida diferente, não ser esse ponto anônimo na multidão
Um erro de um deus embriagado, abandonado sem amparo da sorte
Algo caído no ardil da vida, uma substância fremente rumo ao ocaso
Os dias se passam chuvosos, me quedo inquieto sem saber ir ou ficar
Paralisado no mundo, vivendo de passado, caído da ânsia de realizar
As imagens desse vazio regressam do oblívio e me sinto só e perdido
Não mais o que pretendi ser um dia, nos remotos tempos da infância
Que nada adianta brilhar o sol se a vida seguirá em seus descaminhos
Estou assim sozinho e a descrença reduziu doces lembranças a nada
Ironicamente, minha vida se mantém e segue também rumo ao nada
Este negro poema, nascido uma dor imensa, apesar de todos pesares
Não faz, por um instante entre tantos instantes, deixar de acreditar
Breve tocará o despertador e sei que irei acordar afinal do pesadelo
De tudo, apenas a esperança de amar segue viva, neste imenso caos

terça-feira, julho 7

Alheamento


Escurece cedo nos dias de inverno sem o rubor próprio do verão
Refegas de uma brisa glacial se entremeiam aos céus enevoados
O cinza abate os contrastes cunhando um mundo bidimensional
Nesses entardeceres ponho-me a refletir sobre as vidas desiguais

Epidemias, fome e sangue e o espírito do mal observa de esquiva
Como se o Deus, enfurecido, chicoteasse frações da humanidade
Noutro lado olhos verdes, muros altos e o terrível cheiro do ouro
O happy-hour principia com a sexta badalada dos sinos da tarde

Elevo meu pensamento acima das nuvens e lá há um cristal azul
Entre as estrelas, na Terra envolta no azul vive um pálido homem
Por curvar a cabeça aos poderosos, não vê o breve voo do pássaro
Nem se quedarem em silêncio os anjos apagados do esquecimento

Onde ficava a floresta, a terra foi desnudada diante do observador
A cada negro anoitecer há mais chão rude de bruta paisagem lunar
As poucas árvores restantes sonham sonhos de tormento e de dor
E o sibilar do vento é como o lamento de uma mãe em luto silente

O poeta canta seus cânticos solitários para as almas angustiadas
Tece no poema um último alento para navegantes desconsolados
Seu verso recompõe os desejos já lassos caídos à beira do abismo
Como se a cólera divina, tal escudo, lhe poupasse quando escreve

quinta-feira, julho 2

Crepúsculo de Inverno



As gralhas famintas passam em revoada no vermelho das tardes
Seus bicos em alvoroço rompem o silêncio vespertino destes dias
Meu espírito as observa em contraste com a loucura das cidades

Onde terão repouso à beira do negro pez nestas gauches árvores
Quais folhas cobrem calçadas em que passos se perdem discretos
A vida durante o inverno entra em ritmo de espera pela renovação

A profunda solidão, tormento e dor de lamentosas figuras passadas
Se refaz em suspiros das almas angustiadas, a vaguear sem destino
Carregando escondido o luto silencioso na noite repleta de lágrimas

Nas paredes, nos chãos e muros se espalha o brilho prateado do luar
A socorrer o poeta em seus versos rasgados de cânticos de vingança
Cantados como a cigarra, cantando até ver seu desconsolo exaurido

Ao longe inda há com nostalgia, o pálido repicar dos sinos da tarde
E a puta caminha seminua à margem dos muros indiferente ao frio
Em sua luta desigual pela vida, carregando seus segredos doloridos

O anoitecer alcança os observadores e seus semblantes nas estrelas
Desfilando seus radiantes sonhos purpúreos, entre anjos apagados
E os pés nos caminhos lapidosos das memórias remotas da infância

O som da harpa chega esvanecido entre os vidoeiros ensombrados
Mas seu som delicado escorre alegre sobre as águas em paradoxo
À profundeza do báratro em que deitamos nossa esperança antiga

Meus caminhos são íngremes até aonde os olhos conseguem alçar
Porém deles não lamento, nem dos dias solitários de sono e morte
Hoje sou águia a voar pela eternidade nas asas azuis da melancolia