quarta-feira, dezembro 27

Rendição

 

A noite murmura-me teu nome dentro do coração

O rumor do oceano na noite lembra-me tu, paixão

Esse furacão de ilusões, cheia de olhos brilhantes

Eu quero teu orvalho e doce aroma, amada minha

Eu quero aspirar o ar que roça esse teu corpo nu

Exótico e delicado acalanto com perfume de mar

Tocaste a minha fronte com tuas mãos de cristal

De onde vem a neblina que guarda nosso segredo

Feita de sonho tu caminhas ondulante nas ondas

Recebe-me no vai e vem ansioso de minhas marés

Que vem nos afogar de eternidade nessa volúpia

Sussurros de onde brotaram as letras dos versos

E canções errantes na fogueira da nossa luxuria 

Quero o sabor de amor antes do beijo da aurora

Pois amanheceremos distantes em pleno silêncio

O sol alto me cala em desafio, no dia que cresce

Faz-me sentir incompleto e despertado do sonho

Mas a noite que vai chegar recobrará minha voz

E recitando-te poemas no ouvido, te desnudarei

Para sermos fogo, entrelaçados em doce vaivém

Venerar-te meio ao mágico impulso de harmonia

Com que usas me invadir, a ti me fazeres render

quinta-feira, dezembro 7

Persistência

 Na sacada da casa em que vivíamos há tanto a lembrar

O tempo desgasta o que o observa, devora lembranças

E o silêncio reina absoluto nas trilhas de tua ausência

A vida é estrada rústica de pedra sobre pedra e barro

Acima, é a amplidão, o céu que a tormenta se apregoa

Como fosse um áspero telhado que esconde os astros

De onde jorrará raivosa, a água qual um mar de chuva

Se merecermos, a vida seguirá e acercarão os invernos

Um par de janelas e uma quase invisível teia de aranha

Tecida na varanda da casa onde, insone, fazia poemas

La fora, o vento assovia as suas melancólicas canções

Sacode a todas árvores emudecidas de tuas memórias

Que guardam adeuses pendurados em meio aos galhos

São como uns pequenos alfinetes coloridos num mapa

Anotando entre o cheiro da borrasca o rumo a seguir

Na noite enfurecida, derramam-se relâmpagos do céu

Aqui é tudo abismo e a morte já não contrasta a vida

Sigo exilado de teus carinhos, pois te tornaste etérea

Depois disso fui obrigado a seguir fingindo estar vivo

O umedecido e solitário rosto sabe lá quanta tristeza

Que persiste, não em flama, mas numa desnudada luz

Persiste, qual a vela distante, alento que já apagou-se

Persiste, não n’algum vaso ou na arisca gora de chuva

Na luz das tochas que incendeia a mão que a carrega

Persisto, como túmulo sem epitáfio, sem nada a dizer

sábado, novembro 25

Apocalipse 2023

 Não jurarias p’la noite perfumada d’um amor só começado

Pois o sentimento adirá aos olhos humanos como um visgo

Não, não o dirias pela noite gritando em loucos megafones

Que o ozônio que se foi, ora aquece a terra, planeta risco

Não clamarias por outra arca da destruição num novo fim

Pois não viria um dilúvio, tudo sendo consumido pelo fogo

Eis que vez todos mortos, nos ditarão a nova tábua de leis

Sem os murmúrios e balbucios da escória a novos inventos

Será reinventada uma compaixão, feita apenas de empatia

Sem o arrastar de correntes, línguas antigas e sem punhais

Sem o cuspir das balas ao som inesgotável dessas matracas

Então serão lançadas fora as máquinas de triturar sonhos

Que poderiam ser livremente sonhados e quiçá realizados

Não haveria os bares nas esquinas das grandes metrópoles

Ânforas de cobre coletariam toda a água que se irá beber

Nos caules das rosas ou dos figos não nasceriam espinhos

E nas melancias os caroços e cocos teriam cascas macias

É quando, enfim tudo reiniciará sem essa monótona sorte

Toda lágrima secaria só amando, também, se nos amassem

Sem o risco de se apaixonar e, pior, até ser correspondido

Sem corações feridos, não mais se escreverá as cicatrizes

O poema enfim, seria escrito tal se manda nos dicionários

sexta-feira, novembro 24

Tudo e Nada

 Pássaro, sou poeta sem nome, sem estirpe

Um pássaro das letras e silabas de pássaro

Palavras ruivas, tão vermelhas, tão negras

Carregadas no vento que trouxe as chuvas

Aos olhos d'um céu cinzento, inconcebível

Um pássaro que se incendeia e renascerá

Desplumado como víbora, breve e atenta

No sutil e volátil ar se converte em águia

Para, rasante, atravessar as teias da vida

Bicar a estrela da manhã, qual fosse nada

Tocar no sonho da noite, qual fosse tudo

Numa incipiente primavera, tudo ou nada

Amanhecer enfim, dia após dia, sol rubro

Nutrido da palavra oculta, do sal da terra

E despertado, beber do vinho que é verbo

Mistério real da transmutação do pássaro

No poeta que busca na sombra e vê a luz

quarta-feira, novembro 22

Julie e o Andaime

Lembro-me do dia que te conheci, eras qual o vendaval

Tua presença tocou com a verdade, em minhas pupilas

Vi a tua vida de fora, no limite perigoso de um andaime

Vi tuas escolhas, teu desejo do imediato e sem amanhã

Fazendo do que seria prazer ser somente silêncio e dor

Hoje o corpo desgastado, mais sombra que pele e ossos

Nada hás de ter na terra, se não o guardaste no sonho

Nada mais te será dado, pois te deram tão só uma vida

Um milagre, um brinde, uma única estadia nesse corpo

Cada estadia é gloriosa, é o cântico de todos cânticos

Uma alma, um anjo das asas rotas e trazida pelo olvido

Navegando qual barcos transparentes entre as nuvens

De onde vinha o sol, germinavam suaves flores carmim

Mas caminhastes por caminhos tão breves e perversos

À luz de impensáveis partituras, entoadas em si menor

Tua casa um espaço aberto ao fim, uma noite sem céu

Nunca virei-te o rosto, nunca te ditei quais geometrias

Porem me despedi da história, finda antes de começar