domingo, dezembro 24

Trilogia: Desamparo




Sou, sozinho, em desamparo, sou assim qual um proscrito
Cheio das surdas vozes e a vida corre como rio impetuoso
Não tenho morada, sigo a vagar sem um refúgio a repousar
O cão ladra estridente, este não é meu lugar, é da história
Silenciei minha voz com um soluço aflitivo e estrangulado
Acordo nu, só, meio ao pesadelo das batalhas contra o mal
No abandono vivo, que me remete ao tempo que eu morria
Ora não posso mais sonhar que a vida, num zéfiro da sorte
Viesse, no âmago do dia, redefinir o depois, o além de tudo
Na ingênua noção deste poeta sonhador, atordoado e cego
Em meio à ilusória placidez, a solidão novamente se assoma
Aniquilando as plagas da esperança, a irmã das primaveras
Consulto os astros no firmamento, mas não acho respostas
Estão todos na mesma irracional, fúnebre e austera mudez
Não há um botão que, mágico, faça galhos secos em flores
Que faça do ar quente, brisa fresca e dos fantasmas, heróis
Não vejo nas auras as cores ideais, tão-só rumores remotos
Sinto que sou apenas uma alma solitária no aquário da vida
Um homem primitivo perdido entre tão pálidos crepúsculos
Que é um quase nada, alguém que restou carente de unção
E no grave aspecto da noite, em névoas densas e singulares
Que busca alcançar a inatingíveis e fúlgidos altares surreais
Finalmente, o dia anuncia que a luz já virá difusa e ingente
Hora de ser ardente e jovial e buscar a força numa crença
Que dias melhores chegaram para virar a vida inteiramente

O botão de rosa e suas pétalas gráceis e sedosas,
multicores se abrem alegres no ar como um ósculo mais breve.


 

sábado, dezembro 23

Trilogia: Destempo



Hoje, nestes dias de reflexão, a melancolia faz-se presente
Ela faz escrever um poema duro, dos que brotam lágrimas
Desenhadas nos pergaminhos das memórias mais distantes
Sem tangentes para fugir, a corrente tem os elos corroídos
Esquecerei que envelheço, até chegar o dia trágico da morte
Inefável e necessariamente, para dar fim ao trem do existir

Onde um dia frutificou a poesia, a pretexto do meu existir
Será a pena calada a buscar no infinito um resto de abraço
Vejo olhares sem brilho, já não refletem as linhas borradas
Nos túmulos do desterro jaz a dor que fez morada em mim
Para lembrar a necessidade de um olhar novo, mais astuto
Assim centrar a vida no seu lugar e refazer tudo no jardim

Vejo da janela, cortinas brancas, o curso à beira as falésias
É tudo tão sublime, expressão do divino nas letras da vida
Onde o tinteiro de orgulho das pessoas jamais irá escrever
Não tem valor aquela corrente de verbos sem sensibilidade
É vital ter liberdade de espírito, exprimir o que vai na alma
O poeta não deve almejar o triunfo do retumbar do aplauso

Ter inteligência emocional é ouvir os ecos dos que o amam
Ser feliz como criança e suas bolinhas de sabão reluzentes
Apostar, distraído, na sorte, pois a única certeza é da morte
Quando olho nos reflexos de outrora, vejo apenas sombras
O silêncio já foi o meu melhor refúgio num canto qualquer
Minha fala era escrever para ocultar meu o olhar de sangue

Hoje, amenizado, anseio as chuvas de pétalas pluricoloridas
Exercitei um sorriso largo entre as estrelas com maior brilho
Abandonei a tristeza que congelou meu peito a cada partida
Primordialmente, prosseguir junto de tudo que me complete
Sem olhares gélidos, dizer não ao que tirou o melhor da vida
Dar adeus, sem olhar para trás, aos dias cobertos de lágrimas