terça-feira, fevereiro 23

Ventos da Ausência

 Quando o vento da ausência fala do amor que se perdeu

É a dor que se avizinha pela preamar daquele que amou

Quando amor está perdido e se decreta o gris da solidão

Os desvãos da alma acendem o rubi anônimo da angústia

O silêncio dos desamparados bate súbito em nosso peito

E o copo de gim, soda e gelo se estende infinito pela noite

Se delongarmos as dores dessas perdas sob o sol das horas

No fim avançamos solitários rumo ao amanhecer adentro

Amealhando toda a esperança tão possível quanto inútil

A paz somente tem seu retorno quando se aceita a perda

Todo caminho segue o fio da estrada e toda dor é lavável

O desespero não é obrigatório na noite gélida de inverno

Traz lições de ruas antigas de pedras e vozes da infância

É na distância que se repousa o denso destino dos sonhos

Mas o que há de sublime começa à porta de um novo dia

O prazer de viver febril, reside na travessia do abandono

 

sábado, fevereiro 20

Teus Olhos

 Olho teus olhos com ternura enquanto tomas da taça de vinho

Nada se compara ao passado vazio que era antes de eu te amar

Hoje o sob o céu de veludo marinho e as estrelas como contas

Cintilam para mim intimamente nesta minha porção de pássaro

Que deu de asas para toda amargura antiga e voou novamente

O tempo já foi tão frio e distante nos espelhos turvos da noite

Ora se abriga nesse teu sorriso cordial, ainda descrente de mim

Não depreendes o quanto te quero, quanto tua luz me fascina

Saibas, pois, que te busquei pelas auroras, por uma vida inteira

Segui, esse tempo os rastros noturnos, que rescendem a jasmim

Para te descobrir, eu recluso do tempo a cada minuto da idade

Faço-os apenas minutos esquecidos, irrelevantes ao saber de ti

Os que virão, quero-os cada um tal uma eternidade ao teu lado

Olho teus olhos, penso nisso tudo enquanto a chuva se anuncia

Enquanto o céu resmunga trovões e o vento sacode as cortinas

A noite, que é a pátria da poesia, despertará estes versos rudes

Que por mais verbos que conjuguem, não dirão desta felicidade

Ou da esperança e do desejo intransferível de te querer comigo

Enquanto o espírito do vinho, reclama ao sono que se aproxime

Fito teus olhos, ainda estas distraída, faço uma prece silenciosa

Para que o brilho do amor se faça novo, na claridade do amanhã

sexta-feira, fevereiro 12

O dia em que morri

 Em meio ao silêncio, eu ouvia os passos da enfermeira no corredor

Havia o som distante de uma conversa, quando os passos se foram

Noite alta, no meu quarto lá estava ela vestida de negro a me fitar

Não fosse a enviada da morte, diria que seu rosto era quase sereno

Ninguém ao redor, um mesmo nó na garganta que impedia de gritar

Antes me impedira de respirar e meu coração parou, então ela veio

Com suas longas unhas, seu sorriso de enigma, ela seguia a me fitar

Sempre soube que ela viria me buscar, mas não tão cedo, não agora

Na minha mente se passava um turbilhão de imagens preto e branco

Era a minha história passada como um filme que eu não podia parar

E ouvia todas as vozes do passado, os conselhos que nunca escutei

Ela ficou a me fitar, impassível, comecei a caminhar na sua direção

Todas as imagens que surgem dentro de mim estão tingidas de cinza

Minha alma e mais ninguém sabe ao certo o que de fato me conduz

Eu sabia o tempo todo que viria o dia que as sombras iam me rodear

Todo inferno que eu vi ainda me limita, toda dor ainda me completa

Um mundo passou por mim esse tempo e eu assistia do lado de fora

Mas, a luz de uma pequena estrela brilhou no fundo do meu coração

Assim, ela desviou o olhar e eu vi dentro de mim meu verdadeiro eu

E de alguma forma decidi claramente por deixar o passado para trás

E eu aceitei a nova vida e agora eu vejo no que me tornei de melhor

Toda raiva se foi, toda angústia. Enfim despertei para o que é viver

 

Nenhuma mágoa, nenhum ato sem perdão, nenhuma discórdia vale a pena nesta vida. A morte não vem antes da hora, você saberá quando.

 

segunda-feira, fevereiro 1

Noite de Amor

Na negrura das sombras, movem-se as criaturas na noite

Ocultas na pulsação das águas do doce amor encantado

Encanto transmutado que brilha no segredo dos sonhos

Enquanto a voz do pássaro se perde no silêncio noturno

 

Em busca da palavra nua que nenhuma boca ousou dizer

Duas mãos se movem a seguir as borboletas esvoaçantes

Por entre quatro paredes em tempos de calor abrasador

Nas mentes elas são a morada do sonho rumo à alvorada

 

As ideias foragidas da mente vêm mergulhar acolhedoras

Nas águas amorosas da clara madrugada, n’uma vertigem

Agitam suas escamas translúcidas e seus corpos líquidos

Espalhando pelo ar o riso convulso desaguado em alegria

 

Com a paz do amor ora realizado nesse voo bailado a dois

Vem uma morna neblina que atenua os sentidos em alerta

Daquela luta de gestos, idas e vindas, de fogo e sussurros

Pois flui manso, de súbito, o rio que os levará ao amanhã