terça-feira, janeiro 19

Inexplicadamente (*)


Os ácidos versos da vida seguem opacos quando pelas águas tépidas e transparentes dos dias
Por mares de esquecimento o cristal clama novos cantares sem o que a palavra cala as ideias
Onde estará o alento do sopro cálido que comunica em verso a aproximação um novo tempo
Mas a resposta ao enigma ainda dista um tanto dos segredos confessos ao papel pelas penas

As linhas do poema não trazem a revelação e nem vão precipitar as respostas à sina do existir
Tudo é feito de ciclos, uma sucessão de momentos, a soma de instantes de cada início ao fim
Em sua gênese de fragmentos o tempo se revela indivisível, a um único ato íntegro e disperso
Remanesce a certeza que somos muito mais que a imagem que nos revela o aço dos espelhos.

Não será a mera certeza de alguma sublime definição que afluirá para a libertação do espírito
Tampouco o silêncio que submete as palavras, mas a limitante mesmice tardia que aceitamos
Conceitos talhados em duro mármore ocultam inverdades recônditas e fugazes a reger a vida
Urge os sonhos reinventar intangíveis e etéreos que a tudo descrevam, mas a nada expliquem

Face ao milagre da vida nos cumpre reescrever o destino tal artesão que faz do barro o cântaro
Saiba-se que são iguais os gritos, os sussurros e as confissões feitas na quase mudez à meia luz
Importa a percepção silenciosa do que diz o coração, abdicando a frias explicações aritméticas
A pena e a voz do poeta mergulham no arco íris para dizer inexplicadamente frases nunca ditas.

(*) O correto é inexplicavelmente.


terça-feira, janeiro 12

A genese do amor



Certa vez tentei definir o amor que há em mim e me sobrepuja a razão
Por todos os possíveis desencontros foi o arrepio de uma breve carícia
Que sinalizou que algo indescritível estava por vir, único entre milhões
Todo um estádio de contrassensos quebrados pelo capricho do destino
Agora, contemplo esta cama plena da tua presença destes últimos dias
Relembro que flutuamos entre nuvens distantes do mundo de mazelas
Dançamos ao som dos segredos, cruzamos pontes, túneis e montanhas
Partilhamos tantas aspirações debaixo do vento a nos agitar os cabelos
Paramos o tempo, lá fora da janela, nos saudamos numa taça de vinho
Ouvimos da voz cítrica da chuva mil histórias sobre a brevidade da vida
Por fim, creio saber o que fez o amor: foi de muitos pequenos pedaços
Provindos de infindos surtos e tantas quedas, dum relâmpago delirante
Do pássaro que do alto de seu voo avistou a sombra de cada um de nós
Sobre o azul destes lençóis; ouviu ígneos gritos inauditos, risos rasgados
O coração bate sem pudor de estar se reinventando, cada dia mais vivo
Sim posso assegurar: o amor nega a ausência, a distância e o impossível
O amor surge como um desvio súbito no caminho da vida para a morte
Nos seus dons está a receita que nos diz quando usar sapatos brancos
E roupa estampada para caminhar caminhos floridos à beira do abismo