quarta-feira, dezembro 24

Nostalgia

Hoje é antevéspera de Natal e a nostalgia que já
me invadira desde as primeiras luzes natalinas
hoje, com a chuva intermitente,  se fez ampliar.
É tempo de sonhar e não sonharei o impossível.

Apesar do coração acelerado que me rouba o ar
Aprisiono internamente as lágrimas do coração
Neste conflito surdo do que tenho e poderia ter
De como me guiar nestes dias de febre e pânico.

Vejo de minha varanda um céu sem horizontes
Como se algo estivesse inacabado neste mundo
É o momento que meu pensamento abre as asas
Carregado de palavras endurecidas pela solidão.

Capturo os sons perpetuados na roda do tempo
Que os retém prisioneiros na sua forma mais pura
Para devolvê-los ao papel na forma de miudezas
Substantivos, adjetivos para compor nova fábula.

Vejo na fábula o que era transitório se eternizar.
A vida é um surto de vontade em face da morte
Um sobressalto surdo, um ímpeto de resistência
Na luta contra os que minha pena querem calar

A noite avança entre luzes ofuscadas pela neblina
E a palavra que nas dobras do tempo se prolifera
Não estanca a dor dos arreios postos nesta vida
Dor de uma flor arrancada em desesperada agonia

O voo do pensamento reconstrói a lucidez perdida
Sob a chuva o dia retornará a cidade à luz cotidiana
Eu ao reverso daquela que me julga morto, renasço
Com a vinda da aurora, sou o pássaro sulcando o céu

Sim é antevéspera de Natal e a nostalgia me invadiu
Com as primeiras luzes natalinas: alvitres da infância
E mesmo diante do carinho dolorosamente ausente
Sou esperança recriando a terra em fogo, cinzas e pó.

quinta-feira, dezembro 11

O Poço


O vento soprou os dias, as folhas da ilusão, as flores da paixão
Com elas, a alegria da juventude, a esperança e tantos desejos
Tantos sonhos bordados de carinho, quantos sorrisos também
Fruto de incompreensões onde deter a razão precede ser feliz
Onde terá ido a verdade que se mostrava tão singela nos olhos
Terá ido com as marés, trocada pelos meandros de tecnologias
O vento trouxe alterações na personalidade, trouxe o desamor
Vieram meias palavras e inverdades, vimos repetir apenas o não
A dor que não vejo em seus olhos ecoa bruta em meus ouvidos
Não entendes o que digo ou não o queres, pois é compromisso
A luz se dissipa entre as grades desta prisão que cala e cerceia
Onde é a alma que se queda prisioneira, no silêncio devastador
A solidão é uma fera a rugir na noite que chega e seus temores
Quando ficares à beira do poço sentirás falta desta dedicação
Recordarás minha pele em tua pele a te acariciar infinitamente
A distância entre elas te doerá, no entanto não te autoflageles
Pois foi tua imperícia em deixar-se ser amada que assim decidiu
Somos mesmo um quebra-cabeças de sombras e peças nebulosas
Tantas vezes definimos conduzir nosso trem firme numa estrada
Que esquecemos que a viagem só importa quando há passageiro
O qual continuou solitário, entre lagrimas, na penúltima estação
O mais evidente é que, mesmo assim, te amo e peço que ignores
Toda a dor que cabe nestes versos à sombra destes hemisférios
Pousa tuas mãos mim, mas saiba que também não sei o percurso
Apenas sei, enfim, que nosso caminho segue pela mesma estrada

terça-feira, dezembro 9

Devaneio

Nesta primavera com ares de outono cheia de dias de arrependimentos febris
Minhas palavras despencam cruas sobre o papel como as folhas enferrujadas
Que desprendem-se ao som dos sinos, toscas, de seus galhos ao entardecer
Forrando o chão da praça onde restam apenas meus mais secretos devaneios
Os confins do real vão esmaecendo e se misturam aos sons da missa das seis
Ah que sina recordar destas memórias em mares coléricos na noite sem lua
Compor trôpego debruçado sobre estes versos ermos, feitos de frios rabiscos
Onde estarias tu minha musa para lhes dar cor e perfume de flores do campo
Onde estarão as crianças das tardes de domingo com seus sorrisos e fantasias
Saudade incessante de ouvir o som da chuva na janela com olhos de esperança
Saudade da goiabeira à beira da estrada, dos abraços, dos gestos, do canto do sabiá.

A gênese da fênix.

No avançado da noite faz-se em mim um lume de poder criador
Que me avassala os sentimentos, como fúria incontida ou invasão
Um cordão de luz que nasce livre no fundo de minha consciência
Se aprofunda entre os pensamentos e emerge recompondo os fatos
Assim nasce, a cada madrugada como fênix, o poeta dentro de mim
Sem que eu mesmo saiba qual ígneo acontecimento leve a ser assim
Como ser alado que é, ave quiçá, logo ocupa o espaço na trama do ar
Desprende-se da trama original rumo aos céus num voo em espiral
Sob a fria sombra da aliança o poeta ultrapassa os limites impostos
Seu voo suplanta a dimensão onde se urde o desamor e a insipiência
Libertário das vozes antes prisioneiras transita rumo à luz da aurora
Na alta madrugada anseia no infinito que se cumpram as promessas
Comporta em si próprio todo o axioma da verdade na fluidez do ar
Na pura contemplação admira palavras nunca dantes pronunciadas
Quando a madrugada finda o poeta recolhe asas à procura do pouso
Diante do espelho seus pensamentos flutuam em outras dimensões
Seja o criador, seja a criatura o poeta move sentimentos estagnados
Da sua força geradora, plúrimo de identidades se recompõe humano
Assim volto a mim, volto a ser despercebido nos meus dias comuns
Enquanto outra noite não vem, sigo só, solitário nos fios da grande teia.


sexta-feira, dezembro 5

Visgo

Ouço o revoar dos pássaros de final de outono num céu de nostalgia
Com os olhos ancorados nessa imagem, busco saber do meu destino
E divago meio perdido em meio à solidão, único bem que ora possuo

Inúmeros e ásperos silêncios envolvem estes dias de cruas memórias
em que indagamos se teríamos abdicado das rédeas do tropel da vida
nestas tardes de clima precário em que a cerração omite o horizonte.

Questiono onde estaria a estrela guia? Teria se ido oculta em sombras
que deram ao sol um brilho de angústia, uma dura friagem de cristal
envolvendo a luz num labirinto a nos privar das lembranças felizes?

Sem outra saída, a fadiga consome a vida e se estampa como máscara
em nossa cara, o resultado de tantos vazios de espanto e de assombro
no desígnio de nos curvar, deixando este poema murcho de palavras.

Restou na garganta a imagem muda do que calamos em desconcerto,
de tudo aquilo que nos privamos em nome uma esperança irrealizada.
Colhemos nas trevas os frutos do plantio que se prospera em surdina.

A tela vazia reflete uma existência sem brio, um caminho descarrilhado
O pincel jaz contido tal qual o gado no cercado enquanto espera o abate
Indago porque um dia nos permitimos quedar diante da cepa do algoz

Com as asas atadas, nossos passos curtos, nossa bravura caída no oblívio
Somos quase náufragos à deriva, combalidos, sem contudo deixar morrer
A mordaça que nos cala também nos deslumbra qual o visgo da idiotia.

quinta-feira, dezembro 4

Mortalidade

Este é um daqueles dias em que a certeza da mortalidade se faz real
Que certo dia nossa alma deixará este corpo alquebrado, rumo à luz
No entanto, muitas questões demonstram estarem longe da solução
Irá para novas regiões ou descansará no lugar que chamamos paraíso?
Deitar-se-á entre as nuvens desfrutando do sussurro de doces fontes?
Poderá compreender as vozes que hoje apenas chamamos de trovão?
Queria poder afirmar a existência do murmúrio da brisa entre árvores
Onde os campos recenderão a um divinal perfume incomum de rosas
Paisagens elísias nas quais melodiosos rouxinóis narrarão este poema
E assim não parecerá sem sentido ou pueril, antes uma verdade una
Suas palavras não parecerão ocas tal como retiradas de um transe
Ainda que esteja como sempre estará, encoberto de mil mistérios
A solidez de suas estrofes se atreverá a fulminar todas as dúvidas
E o poeta que jamais dorme seguirá a narrar seus contos dourados
Buscando alegrar outras almas como fazia aos homens antes de ir-se
Tornará a dizer de suas paixões de suas mágoas e tantas desilusões
E que, entretanto, sua glória suplantou qualquer traço de vergonha
Por nunca se saciar, se calar, ter a pena arrebatada ao conformismo
Na busca infinita de saber de si, para preencher as lacunas, para ver
Que por paradoxal que seja ao reconhecer a morte, tornar-se-á imortal.

Considerações

Caminho nestes plúmbeos dias versejando em frases desapegadas
Não sei onde estou nem o porquê sigo caminhando em voz baixa
As paredes onde se exibem o escrito dos profetas, estão rachadas
Eu, assim como todos, não sei se me quedo surpreso ou em aflição
Não há sinais nestes caminhos rudes de lilases varridos pelo vento
Dou de ombros e sigo em surdina num orbe de infaustos pesadelos
Minha decepção se alastra pelas minhas faces como erva daninha
Tal qual lágrimas silenciosas, sinais invisíveis de uma fria ausência
No horizonte precário, improváveis silhuetas acenam ao amanhã
Além das portas de ferro do tempo semeio as sementes do destino
Reajo a meus infortúnios, peito aberto, dilacerado e nenhum louro
Reconstruo as memórias hereditárias de tempos antes fascinantes
Os alto-falantes reclamam pela vinda centenária de dias soberanos
para reinventar os risos daquela infância distante mas imemorável
Penso no que sei e no que não, o conhecimento é amigo tormentoso
exige que você se faça de tolo para não ser julgado por outros tolos
É difícil aceitar que não é de precioso metal que os sonhos são feitos
Da minha varanda aprecio os arrabaldes a ouvir seu noturno rumor
Mergulho na noite vendo à distância as dóceis lâmpadas da cidade
Eu entre meus ombros, neste silêncio de afetos, rabisco estes versos
de um novo poema. Assim, vou lentamente lapidando meu epitáfio.

Mórbidos Dias

O palpável destes tempos esconde um quê de mórbido
Será que se poesia neles houvera, esta já teria morrido
São dias turvos, cônicos e ardidos. São tensos os dias,
Como poder manter o sol na mente e calor no coração?
Se as sondas do porvir apontam acres refluxos em ondas
Irão assim nos surpreender tais solilóquios tão férvidos
Essa vida, mesmo no verão exibe seus outonais signos

Uma forma lânguida de um ser que reside na lembrança
Um corpo macio desnudo habita entre os veios do sonho
São inúmeros caminhos, ao tato, traçados pelos lençóis.
Meu olhar penetra nas camadas dos abismos do passado
E detrás, todas as coisas que se gravaram na minha pele
Do eco ao sangue como uma crua vesânia a me desafiar
No fundo da alma a sacudir os sonhos, romper as raízes.

Ando pelos cantos da vida e as ruas estalam meus passos
Toco nos sons, cheiro os movimentos. O tempo avança...
Sem ninguém a cumprimentar, gatos, heróis ou mendigos
Se vai a noite e sigo pelas tardes a pisar pela relva miúda
Entre os trigais, indiferente ao frescor há tanto esquecido
No obscuro alheamento que se arraiga este meu caminho
E tão só o silêncio margeia a estrada como uma vertigem

O frio interior é como um fantasma de tempos esquecidos
Gélido tal o aço dessa faca que um dia me fendeu a carne
Não há onde se refugiar, ninguém a vir em meu socorro
Quem irá em algum velho ataúde minhas cinzas carregar
Sim os dias são tristes quase tanto quanto usar costeletas
Em meus sonhos imagino o doce carinho de uma mulher, mas
Minha vida segue sua sina impassível, seja chuva ou sol.