segunda-feira, dezembro 27

Inquietude

 Não escutarás de mim as sílabas sombrias e inquietas

Porque me disfarço de eternidade nestas horas rasas

Para, sorrateiro, beijar tuas asas como a ardente seta

Com que Eros tocou-me de ti na insônia das estradas

E assim fiz um céu construído a fogo, almíscar e mel

Cheio de estrelas bêbadas do teu canto, meu sorriso

 

Não verás minha vida e morte embebida de cotidiano

Nem terás esta saudade embriagada num sonho irreal

Farei que tudo mude, mas que conserve a tonalidade

Do homem que sempre quis sonhar, sem fugir do real

Sem o sonho governar o ser, na intensidade da razão

Olhar, pensar, depois de tudo, quedar-me subjugado

 

Não sentirás meu rosto úmido das lágrimas chovidas

Que, todavia, não esquivarão do espelho inclemente

O amor não é o sobrenatural nem algo de miraculoso

É o sentimento que deve fluir sem esforço, igual flor

Que não precisa de esforço para exalar seu perfume

E um dia perfazer a promessa de ser fruto e semente

segunda-feira, dezembro 20

O poema

 Meu poema não nasce do sono, nem de indigentes palavras

Meu poema nasce sem nome, dispensa projetos herméticos

Nasce da solidão que me habita e de clandestinas alegorias

Vem de meus transes, qual trouxesse um presságio invulgar

 

Meu poema se forja no aço da vida, a superar meus medos

Meu poema se alumbra com a luz que ilumina meus gestos

Nasce por todo canto entre as tábuas pisadas da memória

Vem de pequenas sementes, germina onde a beleza estiver

 

Meu poema resiste ao silêncio que, transido, o estrangula

Meu poema não tolera a indiferença, o morno, o ambíguo

É a prece que se murmura na cruz do oblívio das paixões

Vem bailando nas nuvens, nos cânticos das quartas-feiras

 

Meu poema se faz com a marca de quem procede do fogo

Meu poema transita pelo bulício das tardes de primavera

Para iluminar a bruma das almas e para regá-las com vinho

Gerado no mar, mas aprendeu voar no espaço sem limites

 

O poema é um cântico feito com os vocábulos mais azuis.

Sublime

 O que seria de mim sem o sublime existir dessa moça

Que tomou o lugar de onde viviam angústia e solidão

Como não admirar a plenitude da juventude madura

Que concilia serenidade e graça, que nela florescem

Como não imaginar que é seu riso que move estrelas

E que a lua só brilha no céu, por inveja de seu brilho

Minha musa me fez cantar e me sentir livre se canto

Como descrever o inefável que ne acorda a cada dia

Talvez seria imaginar que a rosa vivesse eternamente

Antes dela, por vezes, tudo foi só o papel em branco

Sua vinda fez um murmúrio tornar-se a voz dos anjos

Ontem quando o poema era só um desejo da infância

Hoje faz estas linhas indomáveis, o longe é justo aqui

E quando a conheci, foi então compreendi a verdade

A vida necessita bem mais que comer, beber e dormir

Impõe sofrer para ser homem, amar para ser um deus

Não obstante, ela me fez mais, me fez renascer poeta

 

quarta-feira, dezembro 15

Silhueta

 Lá nas trevas chove sem trégua, tua face exausta me fita

Vejo tua imagem refletida na janela, tua silhueta elegante

Teu movimento cadenciado quando teu corpo me escala

Sabe o teu dom? Eu me nutro dos teus lábios abundantes

Escondida na tua própria criação te desprendes nua e ris

Teu voo faz uma lenta curva no ar, treme e me trespassas

Por esse tremor, empresto minhas mãos para te descobrir

Para celebrar, nesse enigma irrevelado que são teus olhos

Tateio as mãos a buscar essa figura de súcubo à meia luz

Busco traços de tua fala, na boca que busca minha boca

Que vibra ao toque a me revelar que encontrei teu rumo

Se o riso é a porta da alma, os dentes são a cerca de casa

Grades que invado, finges que me renega, mas me desejas

Sou para ti, não temas o cantar desse canto vil e precário

Um poema que, nas tuas páginas abertas, afaste a solidão

Que traços me trazes, com que letras criastes este sonho

Que me desconstruiu os sentidos e me despiu de palavras

Chegaste de repente, tomaste minha alma, pois que fiques

Não vou te prender, vou deixar este desejo fluir até o fim

segunda-feira, dezembro 6

Insulto

Quem fôra eu senão aquele que deu de beber à morte

E agora canto à lua no âmbar de seu enorme nascente

Eu que talvez simplesmente não creia no final sinótico

Todavia perceba que aos mortos idade alguma convém

 

Há tempos descobri a verdade sobre a flor da infância

Que, imperecível sobre a mesa, era plástica e sem alma

Já me senti estrangeiro nesta terra, que não sou daqui

Mas bem aceitei, qual oblação viver esta vida por aqui

 

Desde então, foram muitas idas e lágrimas derramadas

Porque eu senti a extrema solidão do vento que passa

Hoje vim para escrever um poema de palavras gravosas

De versos que fendam cada consciência como punhais

 

Palavras vindas dos amanheceres da inocência perdida

Para relembrar essa voz extinta, na garganta da cidade

Um homem que não se ama, é jaz um homem derrotado

Fadado a navegar na quietude das caravelas do pranto

 

A tua face é o exemplo de como as coisas evaporaram

Uma distração do olhar e, de súbito, nada mais é igual

Tive tua boca na minha e não vi o singular ato de tê-la

E, em minutos impiedosos nem mesmo o ato de perder

 

O inverno chegou e qual um insulto, eu nem o percebi

Nem descobri qual palavra poderá remir os erros meus

 

 

terça-feira, novembro 16

Destino

 Tenho teu coração comigo é assim que atravesso os desertos da vida

Entre lendas e mitos o céu não é céu e o dia não é dia se tu não estás

O milagre teu do ser escorre até mim onde finca raízes onde quer vá

Já não receio os atos do destino, porque tua doçura irá me proteger

O que era distante qual as estrelas, está presente bem dentro de mim

Ao teu lado eu irei caminhar abandonando os silêncios e os segredos

Mataste minha sede, secaste a angústia, floriste minha árvore da vida

Dos teus gestos me visto, me fazes caminhar entre jardins do paraíso

A tua face aberta ao vento é o prodígio que minha alma pode almejar

Meu amor é a promessa que cresceu mais que a mente pode esconder
Pois és meu espelho, minha imagem,
vamos juntos conquistar o mundo

Juntos assim vencer mesmo à morte, ignorar o que se chamava tempo

Este coração é teu e não sendo meu, eu te entrego meu reino do luar

A noite vai e o dia se inaugura azul, mas vem antes que o sonho acabe

sexta-feira, outubro 22

O amante e a trapezista

 

O tremular dos olhos que antecede à lágrima denuncia

Os dias que uma fina, sutil dor nos assoma e nos rasga

Essa dor de ser nós mesmos, que não dá para disfarçar

Qual a tristeza interior da criança que, no berço chora

A dor faz sentir qual estar de braços dados com o nada

Com vestidos de noite, mas com os gestos suburbanos

Um vapor que paira no horizonte nas horas de sombra

Uma leve força hipotecada que tem o peso do universo

 

A forma da tristeza pode ser apenas um olhar magoado

Ou o riso desbotado de um nostálgico (trágico) mundo

A presença efêmera das palavras que ficaram sem dizer

Uma cantiga de cabaré entoada num afinado fio de voz

 

Ao olhar atento, àquele que interessar vai olhar e sentir

A tristeza e suas expressões têm forma diversa na alma

No silêncio dos quartos vazios, na lucidez das avenidas

Como sentir a vida esvair, gota a gota, no meio do peito

 

 A dor de amar é igual se aventurar sem rede no trapézio