sexta-feira, abril 24

Angina

Se um dia eu já houvera dito algo sobre dias de chumbo

Jamais imaginei quanto mais plúmbeos que poderiam ser

Em um dia comum desses que o sol mal vencera a neblina

Se encaminhava seguramente e de forma lenta ao zênite

Um relâmpago inesperado veio e me trespassando o peito

Do nada espalhou mil trovões de dor lancinante e amarga

 

Fixando meus olhos estupefatos na mesmice dos azulejos

Fazendo ver suas linhas antes retas, ondularem em zig-zag

O suco que iria para escola crianças restou-se sobre a pia

Acre como o espanto e o fel que roubou cada gota de ar

Mãos desesperadas, revolveram-se em busca de respostas

Na minha mente estavam as crianças na sala ora solitárias

 

Caminho à sala e a sombra da morte já estampada na face

Como lhes dizer que senti minha vida findando a se esvair

Que o destino decidiu abrir-me uma fresta muda no peito

Não foi possível esconder-lhes e o menino desaba lágrimas

Roubo-lhe a meninice, não deixo a tristeza de ver-me cair

Na certeza que o temor antevê, mando-o cuidar da irmã

 

Ele em prantos me abraça: vai sim filho, ficará tudo bem

Não temia ir-me, mas que não lembrem de mim ao crescer

Que minha presença se limitasse a fotos ou histórias frias

O mundo apaga brevemente e depois inda ouço as sirenes

Fora da compreensão tudo inda flutua diante meus olhos

Sem respostas, cumpre galgar o conhecimento a cada dia

 

E assim Deus inicia-me um novo episódio. Que assim seja