sábado, julho 31

A descoberta da poesia

Assim um dia, descobri que posso ver o que a foto não revela
A residir no horizonte interno, invernal e oculto pela pálpebra
Tantos navios naufragados, deserdados neste poço de solidão
Ventos avaros, de um verão já distante, solenes como ícones

Assim um dia, descobri que o mistério maior que eu já escondi
São fragmentos olvidados de mim, dos antigos silêncios carmim
Dos perfumes ociosos de jasmim, absolvidos de todo o pecado
Só por estarmos juntos, duas almas a habitar uma só paisagem

Assim um dia, descobri que não se conhece da vida pela janela
Mas a imergir o império das esperas melancólicas dos domingos
Perscrutar nos porões que se velaram as mais densas tristezas
Ouvir as vozes anônimas da verdade que desafia nossa higidez

Assim um dia, descobri o poema, amigo ora sublime, ora cruel
A retratar o martírio de quem se abandonou a sonhar o amor
Em vocábulos ceifados do peito, ancorados na folha de papel
Cristalinos como as auroras ou sombrios quais noites sem luar

O poema dilacera os mistérios da linguagem, santa ou meretriz
Fere de morte a inércia da língua e salta da página ao coração

 

terça-feira, julho 27

Segredo

 A noite se fez em cinzas sobre as nuvens

O dia azul puro naquela manhã, sem garras

Com a doçura da simetria lenta e selvagem

O inverno germinou em meio ao silêncio

Um áspero silêncio é o consolo esperado

Das fotos amareladas dos sinos infância

Derramando lágrimas entre maçãs sonolentas

Pelos círculos selvagens e noturnos

Oh, que visão! O fogo está de luto

A neve bate nas ramas como mar de sal

Na sombra extravagante do oblívio

Ele sabe que a fúria é o outro lado do som

Que a areia ferida sangra a terra abaixo

Os trovões e seus cantos assustadores

São escravos noticiando o vazio da chuva

Eu sei! Porque de tristeza, dançam

Eu sei... dessa amargura vertical

No espanto do alfabeto derretido

Que torna o poema imprevisível

Impossível e gentil no segredo que guarda

segunda-feira, julho 12

Esferas de Sacrobosco

          Prólogo

O céu da noite é como um negro mar de invisíveis conflitos

Que persistem em seu movimento de arco rumo à luz do dia

O céu que semelha um manto perfurado de brancos pontos

Desperta os sentidos do poeta, que o observa e o descreve

 

          Do amor

O pensamento verte ao amor, que é como o trigo a crescer

No doce contraste da noite com o clímax da fome de amar

Mas não se extingue quando deixa corpos salgados de suor

Pois que caminha pelas sendas paralelas até o nascer do sol

 

          Da andança

O dia reconduz a novos pensamentos, uma ponta de saudade

Cada passo da estrada, cada um, move-se em sua própria luz

Todas as manhãs se reiniciam em sua vigília e faina solitárias

Que se sucedem infindas, numa louca esfera de Sacrobosco

 

          Da luta

Os inimigos escondem suas armas obscuras, sua força oculta

Estende-nos os dedos, mas para fazê-lo prisioneiro nesta vida

Para conter seu surto de vontade, sua força, sua resistência

Para tornar-nos frágeis e roubar o sentido de nossas palavras

 

          Do sonho

A ação se desenrola nas fábulas perpétuas da roda do tempo

Para fazer grandioso um sopro de vida inicial que recebemos

Para eternizar o que fora transitório num único abrir de asas

Receber todo o fogo de ser pássaro, voar rumo ao sol poente

 

          Epílogo

As realidades objetiva e subjetiva vão arar o chão desta terra

O poeta em seus laços com o infinito, traça os versos no papel

Como as margens paralelas de um rio, as sujeitam ao seu curso

Mas alastra, linha a linha, pela geometria própria de quem os lê