quarta-feira, junho 28

Folhas Caídas

Selaste meus olhos com os lábios

Deixei, assim não poder ver nada

Para sentir tua respiração perto

Sei que podias me sentir também

Embora não soubesse nada de ti

Saibas, não, eu nunca quis saber

Não me importava posso te jurar

Dançamos, rimos, voamos juntos

E nos abraços, nos fizemos amor

Rimos de tudo, do mundo lá fora

Se choramos juntos, valeu a pena

E agora que tudo já está acabado

Só restaram umas belas memórias

E hoje que você se foi, já não sei

E nem posso dizer como eu sinto

Nu da esperança de te ver d’novo

Porque eu sei que jamais te verei

Depois que descobri te conheço

Não posso dizer que me importo

segunda-feira, junho 26

Tragédia

Porque torno a te escrever se teus olhos verdes não irão ler

Pois não se trata de escrever o que fomos tu e eu, certo dia

Fosse pela tragédia de alguém que contasse alguma história

Mas sou eu o que amanhece de olhos úmidos a cada manhã

Como me pesa ter as asas úmidas, como me pesa esta pena

Minha tragédia, razão do abismo, foi não poder despedir-me

Não poder como a quem parte, desejar boa ventura, vá bem

Foi apenas um adeus caprichoso, mas que nem mais importa

 

Não se conhece o que há depois da morte, qual sorte d’alma

E depois que fechastes os olhos, ainda há cor? Ou há rumo?

Aqui a tragédia decora o quadro e a caminhada fica tortuosa

A lembrança é uma síntese vermelha, cravos sobre as águas

No papel manchas negras para ocultar essa dor sem sentido

E volta-se ao velho livro já lido uma e outra vez e mais vezes

Que mesmo assim vai murchando qual secam as flores rosas

Na paisagem crestada que, então, tem orlado minha estrada

 

Com remos de palavras venho remando entre ondas escuras

E as sombras podem se confundir com o alento e com flores

As flores que se alimentam de lágrimas, sem nunca ter nome

Dos nomes e nomes que eu disse depois e só chamei o vazio

Por vezes os poetas inventam palavras e as palavras mentem

Ouvi teu nome e não estavas quando a morte bateu à porta

A lembrança é a síntese de tudo, do olfato, do gosto, da pele

É também da tragédia, o dia seguinte que jamais se quis ver

sábado, junho 24

Vitrais

Ah, eu queria impedir a aparição de tua figura

Fechar com cadeados a tua lembrança em mim

Silenciar o teu perfume nesta teia tão confusa

Nutrir o olvido c'as exuberantes imagens tuas

Fingir que, de repente, não me roubas o fôlego

Que os teus olhos tão mansos quão profundos

Já não me fitam de soslaio, quando me distraio

Teu corpo nu, demasiado meu, tão vertiginoso

Que, por decoro não revelo, tanto me inundou

Felina, doce e incontrolável ignorando as portas

Que eu punha para negar a nossa cumplicidade

Disso tudo, agora me sinto incapaz de esquecer

Ao invés, faço, à maneira de um eco, é ressoar

Eu te multiplico, reinvento em tantos espelhos

E já que estou como um louco, que fosse feliz

Na sonoridade de tua lembrança que me toma

Dourada, marcante, por vezes, serena e ligeira

Por vezes com a profundidade de um lamento

Noutras desesperada e violenta qual o silêncio

Mas sei que falharão as tentativas silenciar-te

Pois não há como calar algo da história de nós

Que vive a buscar mais, mas jamais incompleta

E o tanto que já te quis, derramei neste poema

Onde eternamente bailará tua luz intrometida

Através dos vitrais dessa minha eterna solidão