sexta-feira, fevereiro 27

Passou (Cartão da América)


"Sabe o que é como quando sua vida dá uma guinada?"
"Sabe o que se sente quando um desejo se torna realidade?"
"Sabe o que se sente quando você está preso em alguma rotina e de repente tudo é diferente e novo?"
"Sabe como é estar presente no momento em que as nuvens se abrem e luz do sol irrompe?"
"Sabe o que se sente quando descobre que a procura de uma vida pela pessoa certa enfim acabou?"


  Certo dia recebi um cartão com tais dizeres que me deleitaram longamente
Passei dias, semanas e meses abraçando-o diariamente, sonhando e amando
Mas mesmo anos se passaram e a vida o empurrou para o fundo duma gaveta
De onde seus pungentes gritos inauditos não venceram a perfídia do medo
Para reabrir a gaveta e dizer-me “vai” a hora é chegada encontra teu destino
Mas quedei-me estagnado em meu inexplicado temor de lutar por dias novos
Agarrado a uma refolha calmaria que hoje mostra que os versos eram reais.
Outro dia por obra do fadário, tais escritos renasceram para se eternizarem
Daí tive que a eles acrescentar mais uma instância, nova insólita questão:
Sabe como se sente ao descobrir que isso já aconteceu e você não percebeu?
Brota profunda a dor da certeza que o amor de sua vida esteve ao seu alcance
Mas você estava paralisado por mera covardia de mudar e deixou que se fosse
E sabe, o som da lágrima que rolar de sua face e cair ao solo não será ouvido.
Porque irá saber que seus olhos fixos no horizonte já não refletem ninguém
Nem a cara e remota imagem dos trigais à luz mansa dos outonos passados
E que na imensidão do mar até onde se vê, já não mais singra a nau de volta
Só resta o alento que de toda essa trama malconduzida, vieram bons frutos
Pequenas joias que dilatam a íris deste súplice coração de tropeços vividos
Nestas horas turvas que a discórdia é polvo de mil tentáculos enrodilhados
Vem a certeza que tão só a porfia de lutar por novos dias menos perplexos
Levará esses frutos, quem sabe, pelos desígnios do acaso a cumprirem o dito

Ainda que não se possa mudar o passado, gostaria de dizer, como quem
  murmura uma súplica de perdão: sim eu sabia, teu ser era o melhor de mim!