quinta-feira, novembro 24

Amanhã




Nestas horas sonolentas da noite, cobra-me o tiquetaquear de meu relógio
Vir o sono, eivado de solidão e amontoado de minutos ocos e horas vazias
Mas ao oposto de dormir tomo a rédea de seres alados e rumo às distâncias
Amanhã cobrar-me-á o despertador que tenha salvo no sonho a esperança
Tu a quem Morfeu cerra os olhos e não imagina o vento etérico que sopra
Como um açoite encolerizado, troando entre o criado mudo e a cabeceira
E antes que o sol dourado irrompa pelas frestas da tua janela tenha atenção!
Que não te acorde o frenesi embriagante das areias de um tempo mágico
Que te clamará a presença por lugares tão familiares quão desconhecidos
Os quadros à tua volta abrirão caminhos para que por eles, curioso, sigas
Por entre as tintas de paisagens amarelecidas desses outonos imaginários
Onde do cimo da sela se ouve verbalizar os gritos amordaçados da utopia
E creia, é tudo real. Mas só o musgo da sabedoria acalmará essas dúvidas
Em meio à morna madorra viajarás se não te magoares com tanta arritmia
O tempo é um eco do tempo e díspar daquele tão milimétrico que admites
Em meus sonhos a noite acontece numa exata proporção de luz e sombra
E assim é que o poema se cria, sem ressalva ou impaciência, já pela manhã
Tudo mais, retas ou curvas, reside na promessa viva de uma futura estrofe
Não olvides, mais que vocábulo e verso é a entrelinha que toca ao coração

quinta-feira, novembro 17

terça-feira, novembro 15

Rubro no Azul


Nos espelhos turvos da noite procuro um amor que me reconheça
Não o que acreditando saber de mim, apenas me olha e não me vê
Não o que se delicia do poema, mas o que ame a loucura do poeta
Que saiba reunir os pedaços de mim espalhados pelo chão da vida
Que não se conforme como ora sou, mas desperte o que posso ser
Pois tudo passa, somos apenas passageiros no velho trem da vida
Também passará a dor desta afasia de uma solidão acompanhada

Nesta humildade de luz a noite se acerca do semblante do tempo
Tudo é distante nestes tempos de interminável chuva primaveril
Entretanto o vento sopra um antigo perfume de colônia e jasmim
E o banco de jardim à beira-mar rescende a uma ausência amarga
Infinitos minutos de oblívio são o rascunho de tantas despedidas
Que a parte alada do meu ser reage em azul, recriando esperança
Abro as asas, alço o voo em espiral a celebrar os rastros da paixão

As chagas hoje profundas sangram com eloquência tingindo o pó
Por cima da avidez deste terrível e escuro passaporte para morte
Amanhã serão cicatrizes do que se foi, nos dias que colhes da vida
Não só o que se plantou, mas aquilo que se herdou sem o desejar
Para poder resistir conclamo sortilégios nas madrugadas da vida
Nessa luta afrontar os grilhões que trocam as árvores por cinzas
Como um dia a ternura já foi trocada pela ingratidão e o silêncio

Carrego em mim os esquecidos segredos da antiga magia de voar
Sei que esse amor chegará antes que manhã cale a última palavra
Sei que chegará de repente e não lembrará de como é dizer adeus
Virá na bruma das sílabas só proferidas quando se revela o sonho
Ficará para sempre pois o amor revive à luz noturna das palavras
Nesta solidão, de onde despejo a tinta com que escrevo teu nome
Por geografias proibidas, sinto uma boca que me beija em chamas