Porque escrever é fazer mágica, que sou mago; é transformar, que sou alquimista; é dominar mistérios, que sou bruxo. Transformo sentimentos em palavras e vice-versa. Os poemas retratam imagens, sentimentos e sonhos. Tudo é real ou não e se passa na vida física ou na surreal. Ao lê-los tenha atenção: há muito oculto nas entrelinhas. Deixe que te levem onde o vento quiser levar. A inspiradora de meus poemas é a vida. Estejam atentos, pois as palavras são metade de quem escreve e metade de quem lê.
quinta-feira, agosto 31
segunda-feira, agosto 28
Pouco a pouco
Saíste aos poucos d’minha vida qual árvore que seca
Foste retirando a tua presença, dia a dia, lentamente
Por assim, talvez acreditar eu não pudesse perceber
Mas o vento trouxe a dor de uma despedida pertinaz
Distâncias e silêncios que imprudentemente ressoam
Eu sonhava acordado construir essa vida em comum
Abrigar-te da chuva e da umidade que dói nos ossos
Mas me contagiaste com a umidade de tuas lágrimas
E o guarda-chuva que deixaste, já nem importa mais
Que pena que tu foste, sem saber do tanto que ficou
São tantos os muros em que escrevi a nossa história
Restam tantos, vazios, onde quis escrever teu nome
Para que nessa absurda partida houvesse algo trivial
Não há voltar atrás, não importa se é cedo ou tarde
Não importa se a brisa da manhã ainda sopra fresca
Nem os perfumes que meu olfato ainda teima aspirar
Nada importa. O mar que olhávamos ainda estará lá
Porém, os nossos olhos nunca mais estarão para ver
Mas em mim, pouco a pouco, as feridas vão se curar
E as cicatrizes serão novas linhas para criar o verso
O poema, letra a letra, a tempo também te olvidará
sábado, agosto 26
O anuário non sense de inutilidades
Janeiro: não distribuo esmolas
Frequento rodas de luto pelos
Umbrais frios das madrugadas
Disputo com cães as calçadas
Nessas horas quietas e úmidas
No ar, um breve odor de uvas
Fermentadas como um poema
A embriagar algum desavisado
Fevereiro: prurem-no questões
Vergastam-lhe os olhos rubros
Alma desnuda nas intempéries
P’ra perseguir somente o nada
Por não calar, dizer algo inútil
Palavras malcheirosas ou nulas
Resíduos de todas as partidas
Março: Tremula essa chegada
Flâmulas fúteis ou até etéreas
Na hora que a dor devia doer
De tantos sonhos extraviados
E nem mesmo ainda sonhados
Nos espelhos de corpo inteiro
Ou das partes que persistiram
Abril: A que serviria o braço
Se não usado para dar abraço
Não acenos chulos e gastados
Audição seletiva aflui a frase
Surda entre gritos subversivos
De pernas que não caminham
Vãs estradas já não caminham
No desejo atrelado às costas
Refulgente na áspera sombra
Maio: Sentidos em entranhas
No meu desvelo por meu país
De tantas vozes multíssonas
Dos parcos rincões distantes
Sumo de frutos tão variados
Só o chumbo te solucionará
Por sua insistência metálica
Na razão das mãos calejadas
Junho: No caminho, a pedra
Perigo por ruas desbordadas
Cereal ausente e ventre oco
Mesmo faminto das palavras
De todos livros inalcançados
Ou tantos poemas inescritos
Sem riso, calado, sem horário
Tudo respondido em silêncio
Julho: Eu sou tão obstinado
Empunho tolices p’la estrada
Versos na poeira de décadas
Tão atuais quais eu ou você
E tão demodê quanto um cd
Ser poeta, esse ofício triste
Na calma planície do campo
Agosto: Tais gotas sombrias
Prisioneiro por noites e dias
Só a brisa resvala na parede
A poesia é o quanto abunda
Para se desigualar da morte
Silêncio ao fim d’um inverno
Que espera outra primavera
Vir nascida a gosto de Deus
Setembro: Debalde a cidade
Corrupia a fumaça cinzenta
A alimentar a fuligem do dia
De lonjuras incomensuráveis
Mui amplas e quase infinitas
Riso amputado e desgalhado
Nos faculta migalhas e jejum
Qual a chuva que nunca vêm
Outubro: Vamos desvivendo
No ar roubado que se exalou
Pelos vinhos anchos à deriva
O barro não criou diamantes
Séculos de rudes esperanças
Um dia que possa desmorrer
No credo de tudo e do nada
Novembro: não há elegância
Na falta da honesta angústia
P’la dorida tristeza cotidiana
Vencida mágica da paciência
Sem nem um pão para comer
O incansável canto do látego
Posto não entenda nem saiba
Cerrando bocas desdentadas
Dezembro: o tempo solidário
De corações vazios solitários
Nos chãos do retorno a casa
O perfume lilás tinge os dias
Dormidos na palavra ternura
A palavra surte além de tudo
Aceno ao dia punho crispado
Um bom dia a rever os filhos
São poemas que a vida pariu
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