domingo, fevereiro 17

Mistérios


Há dias que sou como a chuva que, lentamente, cai das sombras da noite
Há outros dias em que sou a sombra profunda e disfarçada de normalidade
Algumas vezes me encubro de melancolia nos dias perdidos no calendário
Sob o pio das corujas a aconselhar com vigor àquilo que elas não o fazem
Caminho entre almas atormentadas que se movem sem destino nas veredas
Com seus guarda-chuvas que se fundem na escuridão que cobre o mundo
O mistério se insinua nas praças, em negras gotas que escorrem pelas faces
As borboletas ébrias fazem seu balé vivaz, sob o brilho translúcido do luar

Há dias que sou o enigma insolvido pela razão, pois a resposta está no coração
Há outros dias que sou a confiança escancarada de que o novo sempre virá
Algumas vezes me sinto predestinado a realizar a felicidade, outras sou tristeza
Entre o canto das cigarras que anunciam o verão, mas morrem sem vê-lo chegar
O silêncio é entrecortado por sons remotos que ecoam nas esquinas vazias
É a vida que há, oculta no ar noturno a contar suas histórias e seus contos
Para quem os ouvir, conheça os milhares de encantamentos sutis de magia
Para que desvende as ideias complexas construídas nas mentes incrédulas

Há dias que sou o caminho rude que se deve percorrer para chegar às flores
Há outros dias que sou o perfume que nenhuma flor teve, se espalhando no ar
Algumas vezes me vejo em dúvida, em meio a tantas certezas sou apenas sonho
Diante dos versos que vêm sussurrados a lápis ou enlouquecidos em nanquim
O desconhecido está em cada detalhe não percebido pelos olhos do incauto
Na terra, a noite verte prateada luminosa inserindo-se nas luzes da cidade
Da janela vista de fora, uma luz pálida vaza pela cortina, será a calma ou a ira?
No final é tudo anarquia e o poema é a ponte tortuosa entre pensamentos

Quando durmo, dou-me a permitir sonhos doces, alados e incontidos, neles deito
um beijo em tua fronte, afago tua alma e, em silêncio, regresso pra dentro de mim



terça-feira, fevereiro 12

Realidade


Há tantas coisas que me movem a pensar em quem eu realmente sou
Sou o estranho que não esconde sua tristeza nos véus da hipocrisia
E nem por sonho me isento dos defeitos que mostro a quem convivo
Mas sou sincero e afetuoso e na tua dor e necessidade estarei aqui
Sou aquele que carrega em si medos, inconstâncias, fúria e negação
Possuo complexos que as agruras da vida insculpiram fundo em mim
Mas tenho em mim o amor que te faz jovem e leva a secretos paraísos
Vive em mim a angústia, qual o som de sinos de tempos imemoriáveis
Tempos outros que sonhava com a ilusão que a vida um dia seria feliz
De fato, deixei passar os verões e primaveras, vieram outonos e nada
Logo chega o inverno que a tudo destrói, que é a própria melancolia
E sou a ave que não migrou ao fim da estação em busca da felicidade
Porque acreditei quando acenaste, que esta vez podia ser diferente
Mas os dias passaram, me abandonaste, por certo, com toda justiça
Ou justificativas que puderes encontrar, no meu jeito errado de ser
Porque decidi ignorar que todos têm suas próprias histerias e dores
E quando elas clamarem não serão as suas lágrimas as que importarão
Ninguém fará o que tu precisas, mas o que creem que devias precisar
O luar some detrás das gotas de vapor que fazem as nuvens cerradas
Como tuas virtudes e valores sumirão ao longo do tempo de convívio
De nada adiantará tua gentileza e teus agrados, serão sempre pouco
Teus defeitos serão enormes e nada que acertares a eles se sobreporão
Se não fores exatamente o esperam que sejas, ainda que não sejas tu
Teu poema deixará de ter rima que infundia admiração nos corações
Para ser a folha em branco como a flor que, sem ter água, murchou

sábado, fevereiro 9

A forja



É imperioso acreditar nos sonhos para se compreender a poesia
Bem antes das respostas situa-se o entendimento das perguntas
A notória inclemência do tempo se opõe dura ao conhecimento
Uma só existência é tão curta para tudo o que se deveria saber
O que quero, o que devo e o que posso coexistem todas horas
E impende que saibamos diferenciar a farsa, da inocente ilusão
Saber disso não se mostra nos brados dos discursos inflamados
Antes, nos pequenos silêncios interiores que a vida nos permite
E quando se acha tudo se fez claro, explicável pelo nexo lógico
Há a poesia que, com afeto, a nada pacifica e a tudo questiona
O poema não germina das elaborações magistrais dos intelectos
Reside adormecido nas entranhas, nutrido das dores de amores
O verso aguarda, qual aço na forja, o ferreiro que o fará lâmina
Para reabrir as chagas indeléveis da alma, ao expor seus medos
E qual a argila que ganha vida na mão do artesão, desses medos
Moldará o orgulho do poeta ao saber que a vida deve ser vivida
Intensa, pura, além das aparências, sem recuar ou medo de sofrer
Admitindo que até nas perdas seu coração pareceu quase imortal
Pois não sabemos onde estará a linha de chegada na prova da vida
Ao apagar das luzes, o romance e os sussurros mostrarão seu valor
O mesmo poema cantará tantas chegadas quanto outras partidas
Quão vazio seria o ressoar da voz se não tivesse histórias a contar