terça-feira, março 16

Tempos Modernos

 Nestes dias tão invulgares meu olhar fita o mundo à volta

Constato que nada é como parece ser, até música é outra

Ainda assim, não desprezo nada, dou bom dia ao mendigo

Faço se mover o poeta que reside por baixo da minha pele

Pois grava as coisas que eu vejo para sacudir meus sonhos

Vejo pessoas, flores, almas, sons e movimentos à marginalia

Aqui seguimos pendurados na terra, nossa casa destelhada

A rua crepita ao passar dessas consciências ou à sua falta

Meus passos ecoam entre as paredes de meu quarto vazio

Não há consolo para os heróis vencidos, apenas desapreço

As meninas não sonham mais com príncipes, antes dragões

Não consigo imaginar que esse fosse o desígnio da criação

São tempos que parecem bem mais articulados com o diabo

Não sinto mais o perfume dos jasmins em todo entardecer

O gato se esgueira pelos muros com seus olhos de mistério

A pena mergulhada no tinteiro sobre a mesa, a folha vazia

 

sexta-feira, março 12

Chegaste

 Chegaste depois que vida percorreu tantas curvas e veredas

Mas, enfim que chegaste para desfazer as presenças antigas

Ocultadas pelo pó cego de uma arcaica noite que carregava

Move-se dentro de mim uma paixão, qual um animal irascível

Caminhando sempre cá e lá entre as sombras de meus sonhos

Em busca dos esparsos íntimos minutos que são nosso esteio

 

Viverá na esperança de renascer nesses belos minutos do amor

Da troca de olhares, da permissão de olvidarmos nossas idades

Resgatando a adolescência onde tudo é simples para a paixão

Mesmo cavalgar cavalos marinhos pelas tempestades que vêm

Até dizer eu te amo, ainda quando nada parece fazer sentido

E nos sentimos qual uma nuvem perdida boiando no horizonte

 

Chegaste quando a vida já gravou mil cicatrizes na minha pele

Mas, enfim que chegaste para me permitir olhar ao outro lado

Talvez sorrir, ainda que minha estrada se margeie de espinhos

Para ousar arvorar-me fora das cinzas do tempo, te dar a mão

Ver que o destino gravou teu nome nas pedras do meu caminho

Para que eu siga sem me perder, sem jamais temer os fantasmas

 

Se nada é como se esperava ser, este amor urgente sobrevive

A esgueirar os olhos entre estrelas deserdadas, pulsar febril

Onde os sóis foram dilacerados em palavras roucas ao vento

Num mundo que devaneios cegos preenchem a tarde amarga

Toda música foi trocada pelo silêncio que me cerra os lábios

Mas a palavra certa resiste, solitária, neste coração de poeta

 

Chegaste para que eu escreva a última palavra noturna do desejo

No vento do outono que virá, em breve, a soprar as folhas mortas

 

Estranha Alma

 Sou uma alma desnuda quando escrevo meus versos

Minhas mãos cheiran a alfazema e assim vão morrer

Quando o inverno chegar, usarei minhas meias de lã

Irei recordar o cheiro perfumado destas flores lilás

 

Sou uma alma que desconhece limite, sangue quente

‘Oriundi’, corre em minhas veias mescla com tropical

Mas nem por isso, se possível, vir perder a elegância

Tenho apenas um coração para tanta dor que sinto

 

Sou uma alma que gosta do verão, outono demora-te

Quisera fosse um lírio ou uma violeta, alma inquieta

Não gosto de dormir, mas durmo facilmente também

Adaptei-me ao mar, sou da terra, campo ou montanha

 

Sou uma alma que nada sabe, não tosca, porém, singela

Gosto de carícias e afagos, gosto dos ventos do campo

Penso um tanto nos sabores, nos suspiros e fragrâncias

Há vezes sou sequioso comigo e minha pena não calará

 

O corpo morrerá, a alma seguirá a escrever seus versos.