segunda-feira, dezembro 17

Exausto


O poeta acorda em terra. E como homem. Nada é palpável
Há dias deixou de lado sua porção ave, seu lado mais feliz
Por isso se sente exausto, ainda que não reflita no espelho
Não pode ser o que é, mas o que acham melhor que deva ser
Vê, ouve, sente e o sangue lhe corre pelos vasos e artérias
Igual a todos, mas seus defeitos são maiores e mais graves
Sua palavra não prevalece diante de qualquer um, creiam
Sempre pensou que ser justo e correto era o que bastaria
Mas deve aprender de vez que o mundo não quer verdade
Quer aparências, para fazer conforme o que mais convém
Vivemos atrás de voláteis máscaras sociais, não há padrão
Ser leal, honesto e verdadeiro não encabeçam as virtudes
Adula-se pessoas sem caráter para que quiçá nos poupem
De seus julgamentos levianos e, ainda, de sua língua ferina
Permitimos calados que pessoas se arvorem de autoridade
Que nunca tiveram e que nunca terão, salvo seja usurpada
Dê uma farda ao idiota e, de imediato, ele será um general
Somos seres estranhos, deixamos de lado as coisas simples
Para elaborar a vida com intrincados códigos de mais-valia
O que apelidamos ‘dar liberdade’, mais parece indiferença
Fala-se muito em ser companheiro, sem saber bem o que é
Pois companheiro busca a consolação do outro, não a sua
E qualquer dor que isso cause, a alegria do amigo indeniza
São distantes os tempos que a alegria do outro importava
E o que fazer nestes novos tempos cravados de desamor?
Para curar a alma até trêmula da febre de dias sem poesia
Haverá quem diga que se deve ser indiferente a tudo isso
Mas o poeta encontrará a forma de fazer um poema novo
Para que possa ser erótico, sem ser obsceno ou monótono
Sabendo que sua visão abstrata do mundo nunca interessa
Que comece a cada crepúsculo e venha de sua face limpa
Para, afinal, além das convenções, ser castiço e acertado
Se ama, cantar a vida sem ter outro porque, além de viver
Sem ter um ombro a recostar a fronte nas horas da agonia
Pois quando amar, o faça na vida real, sem alguma fantasia
Encerre em si, a um só tempo, o mesmo de dor e de beleza


quinta-feira, dezembro 13

Signos


Os signos da noite, entre sombras adensadas, em meu voo interior
Ocultam bem mais que meu eu fugitivo pelas cavernas do silêncio
Sou a voz calada e solitária náufraga no abismo obscuro do pensar
Nesse calar do pensamento, como turbilhão, o drama se apresenta
E a mesma terrível dor que me trespassa a alma, fere meu coração
Em meio ao pranto das criaturas da madrugada na sua triste rotina

No rigor dessa nostalgia, vejo tantas vidas que se fazem de mágoa
Que aos gritos de suas bocas frenéticas não surge a compreensão
Apenas angústia, em ritos desconexos, perturbados qual um surto
Lágrimas febris em meio a tudo, fustigadas pelo triste vento norte
A noite vem me envolver em seu seio negro e eu a tudo só observo
Para atravessar a quietude das horas e seu tiquetaquear profundo

Olho pela janela à distância, a cidade segue afundada em seu sono
Acompanho as poucas luzes que acendem, a imaginar o que fazem
Que vida levam os seres por trás do movimento de acende e apaga
Alguma dessas pessoas seria sua metade? A pessoa de seus sonhos?
Quais segredos e mistérios que a imensa dimensão da noite reserva
Aquela com quem sonho, sem saber, pode estar bem diante de mim

Tantas e quantas indagações repercutem em eco aos meus ouvidos
A dor de uma saudade se denuncia em grossos cordões de lágrimas
Mas saudade do quê? Não é real. Qual é a saudade do que não foi?
Creio seja imaginação. Por buscar por alguém que fosse igual a ela
Achando assim que pudesse estar ali, legitimamente diante de mim
Quiçá apenas pouco desigual, por conta do manto opaco da noite

Tantas vezes meu olhar se perdeu no horizonte, mas sem enxergar
Arrastado ao olho da tormenta que crepita áspera e hostil pelo ar
É a semente de uma irreparável ausência que teimou acompanhar
Ao longo dos anos, roubando o alento, o fogo, impondo disfarces
Um dia, porém, retomei o esplendor do voo imortal do amanhecer
Para me permitir saber que a vida não ocultará por trás do sonho

Sei que tudo foi real, mas os dias seguem e importa abrir clareiras
Para que se possa ser feliz como a água fresca a descer das colinas