quinta-feira, dezembro 31

Adeus Ano Velho

 Por toda a dor cotidiana, que naturalmente me integra a vida

Faço-te uma emboscada para que meu poema te prenda a mim

Imerso neste subúrbio à espera da escuridão que se aproxima

Uma manobra quase infantil e esperança de ter teus suspiros

Neste final de dezembro o calor do verão irriga e inunda o ar

Sou o pássaro gravado em sua fuga e o relógio segue a pulsar

Ainda tenho nos ouvidos da memória umas cantigas de Natal

Mas a magia que irrigou todas as fantasias, só pulsa no sonho

Numa carruagem assombrada e abarrotada de quinquilharias

Onde todos os desejos antigos eram reféns de mentiras tolas

Rememoro com incômodo o que fiz e o que poderia ter feito

Reconheço que toda escolha mal sucedida, ora é irreparável

Mas o que não fui ou o que não fiz é morto não mais importa

Porque toda a escolha ficou na ilusão do tempo e do espaço

Não adianta exaltar a passagem de 365 dias, nomeados de ano

Desejando que tudo, num estalar de dedos, mude de repente

Se cada dia não fizermos brotar essa mudança dentro de nós

 

domingo, dezembro 20

Criança Perdida

 

Lembro dos dias da infância onde aprendi sobre a resistência

Aprendi calar a fórceps com as ameaças diárias de minha mãe

O mundo nos adjudica a todo momento lições a compreender

E meu aprendizado não veio das surras, flagelos ou dos gritos

Veio dessa experiência informal de querer ser-lhe o contrário

Para não ser-lhe igual. Sei que vezes é preciso ter pulso firme

Mas sem tomar isso no mais rigoroso e frio sentido da palavra

Eu menino, deixei de acreditar no amor e fui tolhido pela raiz

Tudo isso teve seu custo, deixou fragmentos perdidos em mim

Mas só agora aquilo que nunca foi e nem o será jamais, me dói

E constitui-se uma realidade de forças primitivas para dominar

Concepções vãs que terão de ser constantemente arrancadas

Diametralmente diferentes daquilo que entendem os filósofos

Meus abstraídos versos neste poema sobre a cidade que dorme

São tal a catarse metafísica, como o frágil véu que nos separa

Daqueles uns que vivem da malquerença só a vedar e a proibir

Este meu poema se faz repleto de desconcertante estranheza

É a resposta de uma criança que iniciou uma guerra já perdida

E nunca soube o porquê de nada, mas um carretel de mentiras

Tendo lhe sido roubado o calor mágico que irrigaria a fantasia


sexta-feira, dezembro 11

Ópio

 Meu peito dói nessa insana insônia, de um peso intoxicante

Seria ópio ou cicuta que porventura me teria sido oferecida

Seria a proximidade do abismo que separa das verdes matas

Sabendo que a flor está sobre a relva, logo adiante, no chão

Por mais que eu aspire ao dom da sorte, a solidão me segue
A febre, o desengano e a pena de viver sendo pobre mortal

Falta-me a cor de teus lábios a brilhar para me saciar a sede
Que falta me
faz sorver um lento gole de vinho refrescante

Embriagar-me até chegar ao nada, dissolver-me até esquecer

Mas em verdade não aprenderei jamais, vou amando de novo

A mente hesita, mas o peito voa nas asas invisíveis da poesia

Onde se ouve o canto que abre janelas encantadas ao perigo
Logo terei contigo minha fada estelar a noite é suave e linda
Sinto a seiva que perfuma o bosque e suas árvores selvagens

Onde fugirei contigo entre a brisa, em meio ao musgo verde

É a estação das madressilvas e das violetas a viver tão breve
A fantasia é um véu feito de ilusão e sonhar é o meu ofício

Devo partir, minha musa me espera a música não pode parar


terça-feira, dezembro 8

Borboletas de Chumbo

 A noite aponta o revólver abaixo da estátua de braços abertos

O abismo aplaude insciente do tanto perdido, cidade maravilha

As multidões, o coro do universo e até as rosas já emudeceram

Nos subúrbios da metrópole, onde só restou a caneta do poeta

Era uma cidade linda, mas agora a morte é entregue a domicílio

Os anjos faziam-se moucos, desapartados pelos disparos cá e lá

As crianças malabaristas equilibram limões já passados, no sinal

Esgueiram-se ávidos, invulneráveis, entre paquidermes de metal

Seu futuro estéril se esvai na madrugada com os olhos alagados

Que louco, caminha esquivo a exalar um hálito quente de verão

Nas calçadas tingidas de vermelho por mil borboletas de chumbo

No horizonte branco nasce, a trote, uma furiosa lua inesperada

Na esquina dessa rua cujo nome esqueci onde o sono não existe

Um outono bate à última janela fechada, em manifestos niilistas

Minha cabeça não pode digerir, ao passo que se contam mortos

Mas outros em desprezo pela vida caminham qual nada houvesse

O fogo ainda ilumina aquela fotografia que restou na imaginação

 

domingo, dezembro 6

Versos nus

 

Acomodo meus ouvidos em teu colo, deixando fluir a emoção

Olho teu rosto nesta meia sombra, para trazer estas palavras

Devo despir-me de pudores para te descrever em meus versos

Dizer palavras que a um só tempo te revelem e te incendeiem

Que te caiam como o orvalho, que venham do fundo da alma

Se isso se chama poesia não o sei, mas é o que tenho a te dar

Frases para que brilhem pelos céus, a esvoaçar entre nuvens

Então derramá-las num véu de chuvas, em campos primaveris

Fazer minha mão deslizar por teu corpo e tomá-lo na memória

Reconhecer nessa tua geografia mares de belezas impensadas

Mãe de todos os naufrágios dos que não podem compreender

Que a luz de teus olhos é o guia por frestas fugidias da aurora

Como arauto de um novo dia, a viver por um tempo impensado

Renasço em ti com meu coração a romper o silencio da manhã

Como assim, por todo tempo infinito em que seguirei contigo

Até a tinta dos versos se converter na noite imensa de paixão

Por todas as distâncias, sem jamais estar longe, eu te quererei

Para estrelar meus versos, como imagem do que é o meu amor

 

 

segunda-feira, novembro 23

Sonhei

 

Hoje sonhei com você e, acordado, vejo as mudanças da vida

Passei dias de enormes pedras que não me ensinaram a mover

Mas, olho para trás e reafirmo que não deixei chave na porta

No entanto, eu ouço o murmúrio distante das fontes alegres

Trazido pela brisa, meio ao sopro de menta de meus vinte anos

Hoje sigo caminhos hipnóticos ditados por essa mulher sonho

São tal qual fios emaranhados nas ruas deste bairro solitário

Porém afirmo que essa vertigem é a mais linda que eu já senti

Talvez, por isso, algumas letras se embaralhem neste espelho

Que concebe mudar do caminho sombrio à bem-aventurança

Eu já sonhei tanto com você, agora você é a minha realidade

Transformei todo meu tempo para alcançar esse corpo vivo

E beijar essa boca vermelha de generosos contornos macios

Também lhe abraçar e trazê-la para bem junto de meu peito

Antes que chegue o dia, afinal, que me tornarei uma sombra

Eu sei que ainda sonharei com você, face da existência real

Mesmo que eu seja um fantasma entre cem vezes fantasmas

Despido de meu corpo para todas aparências de vida e amor

Você ainda será a única em meus braços por outros mil anos

Sonhei muito com você, com o lírico contorno do seu corpo

Hoje minha sombra anda feliz no quadrante solar da sua vida