Por toda a dor cotidiana,
que naturalmente me integra a vida
Faço-te uma emboscada
para que meu poema te prenda a mim
Imerso neste subúrbio
à espera da escuridão que se aproxima
Uma manobra quase infantil e esperança de ter teus
suspiros
Neste final de dezembro o calor do verão irriga e
inunda o ar
Sou o pássaro gravado
em sua fuga e o relógio segue a pulsar
Ainda tenho nos ouvidos da memória umas cantigas de
Natal
Mas a magia que irrigou todas as fantasias, só pulsa
no sonho
Numa carruagem assombrada
e abarrotada de quinquilharias
Onde todos os desejos antigos eram reféns de mentiras tolas
Rememoro com
incômodo o que fiz e o que poderia ter feito
Reconheço que toda
escolha mal sucedida, ora é irreparável
Mas o que não fui ou o que não fiz é morto não mais importa
Porque toda a escolha ficou na ilusão do tempo e do
espaço
Não adianta exaltar a passagem de 365 dias, nomeados
de ano
Desejando que tudo, num estalar de dedos, mude de
repente
Se cada dia não fizermos
brotar essa mudança dentro de nós
Lembro dos
dias da infância onde aprendi sobre a resistência
Aprendi calar
a fórceps com as ameaças diárias de minha mãe
O mundo nos
adjudica a todo momento lições a compreender
E meu
aprendizado não veio das surras, flagelos ou dos gritos
Veio dessa experiência
informal de querer ser-lhe o contrário
Para não ser-lhe igual. Sei que vezes é preciso ter
pulso firme
Mas sem tomar isso no mais rigoroso e frio sentido da
palavra
Eu menino, deixei de acreditar no amor e fui tolhido
pela raiz
Tudo isso teve
seu custo, deixou fragmentos perdidos em mim
Mas só agora
aquilo que nunca foi e nem o será jamais, me dói
E constitui-se
uma realidade de forças primitivas
para dominar
Concepções vãs
que terão de ser constantemente arrancadas
Diametralmente
diferentes daquilo que entendem os filósofos
Meus abstraídos versos neste poema sobre a cidade que dorme
São tal a
catarse metafísica, como o frágil véu que nos separa
Daqueles uns
que vivem da malquerença só a vedar e a proibir
Este meu poema se faz repleto de desconcertante
estranheza
É a resposta
de uma criança que iniciou uma guerra já perdida
E nunca soube
o porquê de nada, mas um carretel de mentiras
Tendo lhe sido roubado o calor mágico que irrigaria a
fantasia
Meu peito dói nessa insana insônia, de um peso intoxicante
Seria ópio ou cicuta que porventura me teria sido oferecida
Seria a proximidade do abismo que separa das verdes matas
Sabendo que a flor está sobre a relva, logo adiante, no chão
Por mais que eu aspire ao dom da sorte, a solidão me segue
A febre, o desengano e a pena de viver sendo pobre mortal
Falta-me a cor de teus lábios a brilhar para me saciar a sede
Que falta me faz sorver um lento gole
de vinho refrescante
Embriagar-me até chegar ao nada, dissolver-me até esquecer
Mas em verdade
não aprenderei jamais, vou amando de novo
A mente hesita, mas o peito voa nas asas invisíveis
da poesia
Onde se ouve o
canto que abre janelas encantadas ao perigo
Logo terei contigo minha fada estelar a noite é suave e linda
Sinto a seiva que perfuma o bosque e suas árvores selvagens
Onde fugirei contigo entre a brisa, em meio
ao musgo verde
É a estação das madressilvas e das violetas a viver
tão breve
A fantasia é um véu feito de ilusão e sonhar
é o meu ofício
Devo partir, minha musa me espera a música não pode parar
A noite aponta
o revólver abaixo da estátua de braços abertos
O abismo
aplaude insciente do tanto perdido, cidade maravilha
As multidões,
o coro do universo e até as rosas já emudeceram
Nos subúrbios
da metrópole, onde só restou a caneta do poeta
Era uma cidade
linda, mas agora a morte é entregue a domicílio
Os anjos
faziam-se moucos, desapartados pelos disparos cá e lá
As crianças
malabaristas equilibram limões já passados, no sinal
Esgueiram-se
ávidos, invulneráveis, entre paquidermes de metal
Seu futuro
estéril se esvai na madrugada com os olhos alagados
Que louco,
caminha esquivo a exalar um hálito quente de verão
Nas calçadas
tingidas de vermelho por mil borboletas de chumbo
No horizonte
branco nasce, a trote, uma furiosa lua inesperada
Na esquina
dessa rua cujo nome esqueci onde o sono não existe
Um outono bate
à última janela fechada, em manifestos niilistas
Minha cabeça
não pode digerir, ao passo que se contam mortos
Mas outros em
desprezo pela vida caminham qual nada houvesse
O fogo ainda
ilumina aquela fotografia que restou na imaginação
Acomodo meus ouvidos em teu colo, deixando fluir a
emoção
Olho teu rosto
nesta meia sombra, para trazer estas
palavras
Devo despir-me de pudores para te descrever em meus
versos
Dizer palavras
que a um só tempo te revelem e te incendeiem
Que te caiam
como o orvalho, que venham do fundo da
alma
Se isso se
chama poesia não o sei, mas é o que tenho a te dar
Frases para que brilhem pelos céus, a esvoaçar entre
nuvens
Então derramá-las
num véu de chuvas, em campos primaveris
Fazer minha mão deslizar por teu corpo e tomá-lo na
memória
Reconhecer nessa tua geografia mares de belezas
impensadas
Mãe de todos os naufrágios dos que não podem
compreender
Que a luz de teus olhos é o guia por
frestas fugidias da aurora
Como arauto de um novo dia, a viver por um tempo impensado
Renasço em ti com meu coração a romper o silencio da manhã
Como assim, por
todo tempo infinito em que seguirei contigo
Até a tinta dos
versos se converter na noite imensa de paixão
Por todas as distâncias, sem jamais estar longe, eu te
quererei
Para estrelar meus versos, como imagem do que é o meu
amor
Hoje sonhei com você e, acordado, vejo as mudanças da
vida
Passei dias de enormes pedras que não me ensinaram a
mover
Mas, olho para trás e reafirmo que não deixei chave na
porta
No entanto, eu ouço o murmúrio distante das fontes
alegres
Trazido pela brisa, meio ao sopro
de menta de meus vinte anos
Hoje sigo caminhos hipnóticos ditados por essa mulher
sonho
São tal qual fios emaranhados nas ruas deste bairro
solitário
Porém afirmo que essa vertigem é a mais linda que eu
já senti
Talvez, por isso, algumas letras se embaralhem neste
espelho
Que concebe mudar do caminho sombrio à bem-aventurança
Eu já sonhei tanto com você, agora você é a minha realidade
Transformei todo meu tempo para alcançar esse corpo
vivo
E beijar essa boca vermelha de generosos contornos
macios
Também lhe abraçar e trazê-la para bem junto de meu
peito
Antes que chegue o dia, afinal, que me tornarei uma
sombra
Eu sei que ainda sonharei com você, face da existência
real
Mesmo que eu seja um fantasma entre cem vezes fantasmas
Despido de meu corpo para todas aparências de vida e
amor
Você ainda será a única em meus braços por outros mil
anos
Sonhei muito com você, com o lírico contorno do seu
corpo
Hoje minha sombra anda feliz no quadrante solar da sua
vida